PADRE VIRGÍNIO STEFFENINI
Geraldo Magela S. Freire
Advogado – Diretor da União dos Juristas Católicos
Quando me chegou a notícia da morte do Padre Virgínio, através da Vilma, meu coração se entristeceu e as lágrimas brotaram. Ninguém passou imune ao amor do Padre Virgínio. Foi a humildade mais genuína que conheci. Praticou a oração que mais agrada ao coração de Deus, a da caridade. Foram 66 anos de vida consagrada e 62 de sacerdócio ministerial, totalmente dedicado ao próximo. Testemunhou sua opção evangélica nas Obras Sociais Pavonianas da Itália e do Brasil – em cujos locais residem os sacerdotes pavonianos – vivendo seu dinâmico amor em favor dos jovens e crianças empobrecidos, que recebem, em regime de semi-internato, alimentação, formação profissional e espiritual para se tornarem cidadãos úteis ao próximo e à sociedade, seguindo o carisma de beato Ludovico Pavoni. Foi um bom samaritano.
Conheci-o em 1987, quando, atingido pela “dor da alma”, entrei para o voluntariado da “Família Pavoniana”, da congregação italiana dos “Filhos de Maria Imaculada”, e quando passei a conviver, quase que diariamente, com o Padre Virgínio. Como bom italiano, às vezes era possuído daquela imensa ira que Cristo experimentou com os mercadores do Templo. Ficava bravo. Chamavam-me. Quando chegava, já o encontrava manso e com a solução. Quando já não havia condições de atender as necessidades de sua saúde, porque precisa de 4 litros de sangue quinzenalmente e faltavam doadores, foi resolvido que ele teria de ir para uma das Obras Sociais, na Itália, onde não faltava o sangue de que tanto precisava. Chamou-me para dar a notícia. Disse-me que, depois de 50 anos, gostaria de morrer aqui. Já era mais brasileiro que italiano. Indignei-me. Não temos sangue para dar a quem nos ama.
Quando participei do Congresso Internacional dos Juristas Católicos, no Instituto Agostiniano, em Roma, no ano do Jubileu, a convite do Juiz Federal Luiz Airton de Carvalho, fui visitá-lo em Monza juntamente com o dr. Aristoteles Atheniense, ex-Presidente da OAB. O sofrimento visível em sua fisionomia não abatia seu coração sempre tão cheio de humildade e de esperança de retornar ao Brasil, porque no seu sofrimento encontrou a paz interior e a alegria espiritual, já que as fontes da força divina jorram exatamente do seio da fraqueza humana. Em abril do ano passado, na beatificação do padre Ludovico Pavoni, em Roma, tive de retornar ao Brasil para atender um compromisso. Deixei minha mulher Elaine encarregada de visitá-lo em “Susá di Trento”, juntamente com toda a comitiva dos Pavonianos de Belo Horizonte. Contou-me, então, que ele já estava com a fisionomia angelical, com que iria ao encontro de Cristo, a quem prestou rígida obediência para realizar o projeto de vida que Deus lhe destinou.
O sofrimento humano é inseparável da existência terrena, porque “A vida é uma contínua ondulação entre mortes e ressurreições. Entre altos e baixos. Vitórias e derrotas.”, como observa o saudoso Alceu Amoroso Lima, no livro “Tudo é Mistério” (Vozes, p. 84). É sempre difícil compreender porque os maus prosperam e os justos sofrem. Aos nossos olhos os maus sempre cultivam uma imagem de inocentes e vencedores. Os justos contabilizam serviços ao próximo, erros e acertos, mas nunca desonestidades.
O cristianismo ensina que a existência é essencialmente um bem, sendo o mal uma distorção do bem. Ao mal moral do pecado corresponde o castigo. Porque a consciência moral da humanidade exige uma pena para a transgressão, para o pecado e para o crime. Mas existe o sofrimento sem culpa, como se apura no Antigo Testamento com a figura do justo Jó. Tal como “Jó não foi castigado, porque inexistia razão para lhe ser infligida pena”, Padre Virgínio foi submetido a uma dura prova.
Como passou somente fazendo o bem, escolhendo o caminho estreito e apertado que conduz ao reino dos céus, dedicando-se integralmente aos menores carentes até na sua longa doença, praticando a oração que mais agrada ao coração de Deus, seu sofrimento não foi conseqüência de pecados concretos, mas seguiu o Cristo, que sofreu voluntária e inocentemente, sem nenhuma culpa, para que o homem “não pereça”, “mas tenha a vida eterna.”.
Para a fé Cristã a vida não é interrompida pela morte, mas caminha para sua plenitude. Mas como é duro ver mais um pedaço de nós se desprender, ainda que seja para ir ao encontro de nosso Deus, a quem agradecemos o privilégio de tê-lo por tantos anos e o exemplo de uma existência humilde e proveitosa ao próximo e à sociedade.
(artigo publicado no BOLETIM INFORMATIVO – Província do Brasil – 02 – 2003 – da Congregação Religiosa dos Filhos de Maria Imaculada – PAVONIANOS)