O Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso afetado em regime de Repercussão Geral, decidiu que “O transgênero tem direito fundamental subjetivo à alteração de seu prenome e de sua classificação de gênero no registro civil, não se exigindo, para tanto, nada além da manifestação de vontade do indivíduo, o qual poderá exercer tal faculdade tanto pela via judicial como diretamente pela via administrativa. Essa alteração deve ser averbada à margem do assento de nascimento, vedada a inclusão do termo ‘transgênero’. Nas certidões do registro não constará nenhuma observação sobre a origem do ato, vedada a expedição de certidão de inteiro teor, salvo a requerimento do próprio interessado ou por determinação judicial. Efetuando-se o procedimento pela via judicial, caberá ao magistrado determinar de ofício do requerimento do interessado a expedição de mandados específicos para a alteração dos demais registros nos órgãos públicos ou privados pertinentes, os quais deverão preservar o sigilo sobre a origem dos atos”.
Para fundamentar sua decisão, o Supremo Tribunal Federal partiu das seguintes premissas:
1) O direito à igualdade sem discriminações abrange a identidade ou a expressão de gênero. O respeito à identidade de gênero é uma decorrência do princípio da igualdade.
2) A identidade de gênero é uma manifestação da própria personalidade da pessoa humana. Logo, cabe ao Estado apenas o papel de reconhecê-la, nunca de constituí-la. Isso significa que o Estado não diz o gênero da pessoa, ele deve apenas reconhecer o gênero que a pessoa se enxerga.
3) A pessoa não deve provar o que é e o Estado não deve condicionar a expressão da identidade a qualquer tipo de modelo, ainda que meramente procedimental. Assim, se cabe ao Estado apenas o reconhecimento dessa identidade, ele não pode exigir ou condicionar a livre expressão da personalidade a um procedimento médico ou laudo psicológico. A alteração dos assentos no registro público depende apenas da livre manifestação de vontade da pessoa que visa expressar sua identidade de gênero.
Bem como os seguintes fundamentos jurídicos:
Constituição Federal:
- dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF);
- direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem (art. 5º, X, da CF);
- princípio da personalidade;
- princípio da isonomia;
- direito à saúde;
- direito à felicidade.
Pacto de São José da Costa Rica:
- direito ao nome (artigo 18);
- direito ao reconhecimento da personalidade jurídica (artigo 3);
- direito à liberdade pessoal (artigo 7.1 do Pacto);
- o direito à honra e à dignidade (artigo 11.2 do Pacto).
O art. 58 da Lei nº 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos) prevê: “Art. 58. O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”. O STF, contudo, afirmou que se deve fazer uma nova interpretação desse art. 58 à luz da Constituição Federal e do Pacto de São José da Costa Rica.
Além disso, entendeu, também, a Corte Suprema que exigir do transgênero a via jurisdicional para realizar essa alteração representaria limitante incompatível com a proteção que se deve dar à identidade de gênero. Assim, o requerimento de alteração do prenome pode ser feito tanto por meio de ação judicial como também pela via administrativa. O pedido de retificação é baseado unicamente no consentimento livre e informado do solicitante, sem a necessidade de comprovar nada.