Inadimplentes: a lei paulista de cobrança

O ano de 2015 tem sido caracterizado por uma série de polêmicas no nosso País, tanto no âmbito político quanto no aspecto econômico diante da crise que assola o Brasil.

A Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o Projeto de Lei 1247/2007 do Deputado Rui Falcão (PT), entretanto o Governador Geraldo Alckmin (PSDB) o vetou em sua integralidade por entender que a matéria ultrapassa os limites da Constituição da República no que tange a competência concorrente.

Em 09 de janeiro de 2015, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo derrubou o veto do Governador do Estado e promulgou a Lei 15.659/15. A lei assevera que a inclusão do nome dos consumidores nos cadastros restritivos de crédito deverá ser comprovada por escrito mediante protocolo de aviso de recebimento (AR) assinado, no endereço fornecido pelo próprio; o prazo de 15 (quinze) dias para pagamento da dívida; que os consumidores poderão exigir das empresas os documentos que amparem a existência da dívida; que as empresas deverão criar um canal direto de contato com os consumidores, para que este possa se defender e apresentar contraprova.

Diante disso, foram ajuizadas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 5.224, 5.252 e 5.273. A grande discussão envolvendo o tema aqui exposto se pauta na constitucionalidade da Lei Paulista.

A tese favorável à edição da Lei Paulista avoca o art. 24, V, da Constituição da República, a qual diz que compete à União, os Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre produção e consumo.

Já a resistência se pauta na alegação de que a mesma contraria o que está disposto nos parágrafos 1º e 2º do mesmo artigo 24 da Constituição da República, uma vez que a competência da União limita-se a estabelecer normas gerais e os Estados não podem editar normas conflitantes com a legislação federal.

A Lei 8.078/90, em seu artigo 43, já aborda a matéria levada à apreciação do Estado de São Paulo ao assegurar ao consumidor o acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

Temos, em uma primeira análise, que o Código de Defesa do Consumidor é uma norma geral e, em tese, poderia ser complementada por via de legislação estadual.

Ocorre que o CDC já atingiu o alcance do que se espera da norma e as formas de inclusão dos inadimplentes nos cadastros restritivos de crédito já operam bem e, frise-se, de forma respeitável aos consumidores.

Destaque-se o que diz Súmula nº 359 do Superior Tribunal de Justiça, “cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição”. E essa prática vem sendo adotada pelos detentores dos Bancos de Dados, enviando uma notificação para os devedores no endereço que possuem para que os mesmos paguem a quantia devida em prazo razoável, normalmente de dez dias, sob pena de operar a restrição do seu nome.

Ainda, a Súmula 404 do Superior Tribunal de Justiça dispensa a entrega da notificação elaborada pelo detentor do Banco de Dados ao consumidor inadimplente com Aviso de Recebimento – AR.

Assim, temos que a Lei Paulista tenta (i) positivar o entendimento já sumulado do Superior Tribunal de Justiça; (ii) contrariar o entendimento pacificado do STJ sobre a dispensa de notificação com aviso de recebimento, (iii) confrontar o Código de Defesa do Consumidor – norma geral e de interesse público – o que é vedado pela ordem constitucional e (iv) burocratizar ainda mais o sistema de cobrança dos inadimplentes, o qual já é feito de uma forma justa e com entendimento jurisprudencial pacificado sobre a matéria.

A proteção ao consumidor é uma garantia fundamental assegurada pela Constituição da República em seu art. 5º, XXXII. O direito do consumidor é um direito metaindividual o qual abrange a todos quer queiram ou não. Para tanto, os consumidores já são declarados como hipossuficientes e por isso  possuem uma série de proteções, dentre elas o foro privilegiado e a possibilidade de inversão do ônus da prova nas demandas judiciais.

Tem-se também que o Direito do Consumidor também é uma forma de proteção do mercado em si, seja das empresas que não agem dentro das melhores práticas, zelo e ética, ou também em virtude do inadimplemento dos consumidores, por vontade própria ou em decorrência de apertos financeiros.

A análise econômica do direito consiste em mostrar o poder de alguns simples princípios de economia para racionalizar as leis e desenvolver uma base coerente para seu aperfeiçoamento. Desta feita, burocratizar e onerar ainda mais as vias de cobranças dos consumidores inadimplentes, poderá acarretar em prejuízo ao mercado (que terá mais custo e dispêndio de maior tempo para reaver as quantias devidas) e prejudicará os próprios consumidores que terão o repasse dos inadimplentes e os custos operacionais para a cobrança embutidos nos preços. Ou seja, novamente os justos pagarão pelos consumidores.

Em suma, pelos humildes argumentos mencionados acredita-se que a Lei Paulista 15.659/15 deverá ter declarada a sua inconstitucionalidade, tanto por ofensa ao artigo 24, §§ 1º e 2º, quanto por não proteger os consumidores conforme artigo 5º, XXXII, todos da Constituição da República.

Por Luiz Felipe Siqueira