Não somos um povo legal, mas um povo social. Sempre houve uma grande diferença ente o Brasil legal e o Brasil de fato. Por isso, “O importante não é a lei, mas o costume. Este é que faz a lei”, anota Alceu Amoroso Lima. Logo, a impunidade vem dos costumes. Temos então que educar, que é a base da cidadania, para mudar os costumes. Depois, editar leis que vão se incorporar ao tecido social. E isso não se consegue com uma geração. Então, não basta só a Lei da Ficha Limpa e Lei Anticorrupção, que é a primeira que quebra um paradigma, por ser a primeira a responsabilizar as empresas pelas práticas ilícitas.
Todos os povos são violentos, incluindo o Brasil. Dizer que o Brasil tem tendência à não violência apoia-se na herança lírica recebida de Portugal, ao contrário da tendência épica que os países latino-americanos herdaram da Espanha. Conquistamos nosso espaço com muita luta e sangue, como revela a luta contra os piratas e corsários ingleses, a Guerra do Paraguai, batalhas contra holandeses, franceses, espanhóis, a Inconfidência Mineira, nas Entradas e Bandeiras, tidas como as principais responsáveis pela expansão territorial do Brasil, como ensina Eduardo Bueno, que salienta o tenso diálogo de um diplomata espanhol e o rei da França, Francisco I, insatisfeito com o Tratado de Tordesilhas, quando disse: “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo…”.
Após a Constituição de 1988, o brasileiro passou a buscar seu direito, fenômeno próprio da democracia, diz a Min. Carmen Lúcia do STF, acrescentando que temos um Judiciário artesanal para uma sociedade de massa, o que torna demorada a decisão, que precisa agregar conteúdo moral e ético. Mas sempre que a sociedade sofre um crime bárbaro, aparece um projeto criando uma nova lei (de lege ferenda). Quando o que se deveria fazer é aplicar a lei existente (de lege lata). Ocorre que leis novas não evitam novos crimes e representam um incentivo à violação das leis existentes.
Temos uma cultura histriônica, onde se discute tudo, não se faz nada e tem-se opinião sobre tudo. Temos uma rebeldia inata em descumprir a lei e praticar vícios sociais inaceitáveis e ilegais, como votar e reeleger corruptos, que infestam os Poderes Executivos e Legislativos, embora todos desejem o fim da impunidade e ética na política e na sociedade em geral.
No “Livro Negro da Condição das Mulheres” (822 folhas da ed. Difel), quarenta jornalistas analisam a situação de injustiça que vivem as mulheres nas diversas partes do mundo, em ambientes imigrados ou não, onde as mulheres são vítimas de atrozes mutilações genitais que ainda existem no Leste e Oeste da África, no mundo árabe, na Ásia e nas comunidades muçulmanas no mundo ocidental, onde os costumes se sobrepõem á lei. Observam que não adianta a ONU decidir e obrigar os países a editar leis. Porque, lá, os costumes desafiam a lei, porque o Estado é impotente diante dos costumes enraizados na tradição.
Um exemplo de costume enraizado aqui é o das mulheres adotarem o sobrenome do marido e nunca o contrário.
Então, a impunidade vem dos costumes. Temos então que educar, que é a base da cidadania, para mudar os costumes de eleger e reeleger corruptos. Depois, editar leis que vão se incorporar ao tecido social. E isso não se consegue com uma geração.