Aumenta número de ações para reparar danos na compra
Por falta de acordo com as empresas, cresceu quase 30% em BH no ano passado o volume de ações judiciais que pedem reparação para anular danos na compra de produtos e serviços
O desinteresse das empresas em resolver problemas que são considerados de massa pelas entidades de defesa do consumidor está empurrando para os tribunais, em busca de indenizações, os brasileiros insatisfeitos com a compra de produtos e serviços. No ano passado, foram distribuídas em Belo Horizonte 41.138 ações judiciais com pedido de indenização – incluindo os casos relacionados ao seguro obrigatório de veículos, o Dpvat –, ante 31.655 processos em 2011. O acréscimo foi de 29,9%. A realidade observada na capital mineira é um recorte desse cenário no restante do país e mostra que uma parte dos consumidores está disposta a ir à Justiça para fazer garantir os seus direitos, quando o esforço é válido do ponto de vista financeiro.
Se o consumidor não conseguir chegar a uma solução diretamente com a empresa ou o prestador do serviço, o primeiro passo é procurar os Procons para a tentar resolver o problema, orienta o advogado Geraldo Magela Silva Freire, ex-presidente da Comissão de Relações de Consumo da regional mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG). “Os Procons não podem obrigar as empresas a nada, mas propõem soluções administrativas e até negativam o empreendimento (incluem as pendências da empresa em serviços de proteção do crédito)”, afirma. A hora de ir à Justiça será no momento em estiverem esgotados os esforços para fazer valer os artigos 18 a 20 do Código de Defesa do Consumidor, que tratam das situações em que cabem substituição de produtos, restituição da quantia paga, reexecução de serviços ou o abatimento proporcional de preços, entre outros direitos.
De acordo com Silva Freire, os pedidos de indenização podem ser apresentados se houver dano moral, material ou estético. O dano moral afeta a personalidade e, de alguma forma, ofende a moral e a dignidade da pessoa. O material, por sua vez, é o prejuízo financeiro, aquele que causou diminuição do patrimônio. Pode ser um dano emergente, representando pelo que efetivamente o consumidor perdeu, ou lucro cessante, nos casos em que ele deixou de ganhar. Por fim, o dano estético refere-se a uma ofensa à integridade física, que produz alguma lesão ou deformidade externa. “Procurar a Justiça nesses casos é um direito constitucional do cidadão”, afirma o advogado, que discorda da tese de que o Brasil tem uma indústria da indenização.
A bióloga e professora universitária Juliana de Lima Passos Rezende foi indenizada em duas situações decorrentes de compras feitas pela internet. Os dados cadastrais dela foram roubados, no momento em que ela fazia o pagamento da compra de um livro no site da operadora do cartão de crédito usado pela consumidora. Algum tempo depois, uma série de erros foi cometida por um site de vendas na entrega de um videogame que seria o presente de Natal do filho de Juliana.
A bióloga tentou de todas as formas resolver os problemas diretamente com as duas empresas, mas não foi possível. “Não parto da premissa de ir logo à Justiça. Quero sempre resolver de forma amigável. Entrar com um processo é o último recurso, mas tem que ser feito. Há quem prefira deixar para lá, assumir o ônus, mas não concordo com isso”, afirma Juliana, que garante ter tido boas experiências com empresas que solucionaram erros com rapidez e eficiência.
Sem compromisso
Para a gerente jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Maria Elisa Novais, o problema é que nem todos conseguem ir à Justiça. São criadas, assim, duas espécies de cidadãos: aqueles que conseguem se defender judicialmente e os que não têm condições para isso. Os problemas são resolvidos de forma individual, mas o dano causado é coletivo. “Essa judicialização mostra a falta de disposição de equacionar a questão fora dos tribunais. As empresas querem fazer o negócio delas, mas não prestam atenção às salvaguardas que devem oferecer aos consumidores”, diz
No mês passado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou decisão que obriga a Refrigerantes Minas Gerais, antiga fabricante da marca Coca-Cola, a pagar uma indenização de R$ 9,3 mil ao caminhoneiro Claudinei Rezende Senra Alves, por danos morais. Corrigida, a quantia poderá chegar a R$ 18 mil, calcula o advogado do consumidor, Robervan Faria. Há cinco anos, Alves teve a desagradável surpresa de encontrar um corpo estranho dentro de uma garrafa retornável de Coca-Cola em Divinópolis, no Centro-Oeste do estado.
Depois de perder a causa em primeira instância, o consumidor teve o dano reconhecido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), e, então, confirmado pelo STJ. Para a Refrigerantes Minas Gerais, não existiu dano moral decorrente da aquisição de uma garrafa de refrigerante com uma embalagem de bala em seu interior porque “não houve ingestão do referido produto pelo consumidor”. O STJ amparou-se na decisão anterior do TJMG: “É patente a responsabilidade objetiva do fabricante por danos causados aos consumidores decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, manipulação, apresentação ou acondicionamento de produtos defeituosos ou inadequados ao consumo”, diz a sentença.
Fonte: Estado de Minas, 11 de março de 2013 | Caderno Economia