Artigo publicado em 11 de dezembro de 2001
Jornal Estado de Minas
Seção Opinião, p. 7
Autor: Dr. Geraldo Magela S. Freire – OAB/MG 15.748
NATAL SEM FOME TODOS OS DIAS
Geraldo Magela S. Freire
Advogado, diretor da União dos Juristas Católicos
Chega o Natal e aflora no brasileiro o sentimento da solidariedade. São inúmeras instituições em campanha para um natal sem fome. Recente pesquisa da FGV revelou que cinqüenta milhões de brasileiros estão na linha da pobreza absoluta. Ou seja, não têm o que comer. Na palestra inaugural do Congresso Internacional da União dos Juristas Católicos foi anotado que o conceito de Justiça vai muito além da legalidade. Recebidos os congressistas em audiência pelo Papa João Paulo II, na Sala Clementina do Palácio Apostólico, salientou em sua alocução que uma das tarefas da União é «a de denunciar todas as situações em que não é reconhecida a dignidade da pessoa ou as situações que, embora pareçam agir em sua defesa, na realidade a ofendem profundamente.». E que «o direito à vida, direito primordial e absoluto que não depende do direito positivo mas do direito natural e da dignidade de todos os homens, não é reconhecido ou considerado devidamente, como se se tratasse de um direito disponível e não fundamental».
Analisando a tese do prof. Giacinto Auriti – «Moeda dos Pobres – Moeda do Jubileu», que sustenta a ilicitude da dívida externa – distribuído aos Juristas no Instituto Agostiniano, onde se realizou, o frade Quirino Salomone disse que: «será difícil pensar em amar a humanidade, proclamar a Justiça, anunciar a Paz, reconhecer os direitos humanos sem fazer qualquer coisa de concreto para tirar a canga que se assenta sobre os ombros e sobre o destino da humanidade. Os sistemas financeiros hoje são «objetivamente legais» para representar a mais grave angústia da nossa história.». Há alguns anos, o pensador Alceu Amoroso Lima escreveu que diante de tanta pobreza a riqueza e a alegria de poucos chegam a ser uma profanação. A sociedade continua a fabricar diariamente criminosos, quando nega os elementos básicos de sobrevivência – comida, saúde, moradia, escola, emprego – aos milhões de abandonados e carentes, que permanecem na mesma situação, mesmo alterando o quadro político municipal, estadual e federal. Como esperar um ato de amor de quem vive debaixo das marquises e dos viadutos? Por que não ter albergues em número suficiente para que tenham pelo menos um lugar para tomar banho e comer, para resgatar um mínimo da dignidade dos desprotegidos?
Mas, nem isto. A sociedade, desprezando o próximo carente, recusa-se entender que a vida comunitária exige a solidariedade de todos, porque todos somos responsáveis. Teilhard de Chardim expressou bem isto quando disse que antigamente era: «Amem-se mutuamente se querem ser perfeitos», mas agora é: «Amem-se mutuamente se quiserem sobreviver». Como o pobre também come antes e depois, precisamos fazer o Natal durante todos os dias do ano, porque é sabido que uma caminhada de mil quilômetros começa com o primeiro passo. Assim, teremos o direito de sonhar em ser felizes.
(Jornal Estado de Minas em 11 de dezembro de 2001, Seção Opinião, p. 7)