Segundo a súmula 486 do STJ, recém-editada, «é impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família».
O art. 1º da lei 8.009/90, sobre o tema, determina o seguinte: «O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais e filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei».
Inequivocamente, de acordo com a lei, residir no imóvel constitui requisito elementar para invocar a impenhorabilidade. E segundo conhecida regra de hermenêutica, a lei não contém palavras inúteis. Além disso, como se trata de uma exceção, a retirar do credor a possibilidade de alcançar o bem do devedor que ostenta tal condição, deveria, por outro princípio hermenêutico, ser interpretada restritivamente. Por isso, segundo essa ordem de ideias, em princípio, a impenhorabilidade não deveria aproveitar ao devedor não residente no imóvel.
No entanto, há algum tempo o STJ vem flexibilizando o dispositivo legal, estendendo a impenhorabilidade ao imóvel residencial alugado pelo devedor a terceiro, desde que se demonstre a utilização da renda obtida para a própria subsistência ou moradia da família.
Tal demonstração é um tanto subjetiva porque dinheiro é um bem fungível. Nem sempre é possível identificar, com precisão e segurança, como é gasto o dinheiro recebido a título de aluguel. Dinheiro não tem chip e não deixa rastro. Como interpretar, por exemplo, a situação da família que gasta R$ 12.000,00 por mês e percebe R$ 4.000,00 de aluguel? A subjetividade e vagueza da Súmula 486, por esse lado, preocupa.
Por outro lado, não se pode ignorar a importância da interpretação teleológica. O juiz deve mesmo dar sentido à norma de acordo com a sua finalidade. A proteção do devedor e sua dignidade, bem como a preocupação com a moradia (alçada a direito social, de acordo com o art. 6o. da CF) são bens juridicamente relevantes. E o art. 5º da lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prescreve que «na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.»
Segundo esse raciocínio, o posicionamento do STJ seria plenamente justificável.
Porém, se o objetivo de tal entendimento é o de proteger a dignidade e a moradia do devedor, por que então determinar a impenhorabilidade apenas do imóvel residencial alugado? Pela mesma razão, o imóvel comercial alugado pode possibilitar renda destinada à subsistência e moradia do devedor em outro local.
Estendendo-se ainda mais a interpretação empreendida pelo STJ, outros bens, como aplicações financeiras em renda fixa, CDBs e ações também poderiam gerar rendimentos (juros, dividendos, etc.) com o mesmíssimo destino…
Por tudo isso, parece ser perfeitamente aceitável que num determinado caso concreto, a decisão se mostre a mais acertada, em face das peculiaridades, como por exemplo o fato de devedor ter se mudado do imóvel, temporariamente e por circunstâncias absolutamente divorciadas de sua própria vontade (ex: tratamento de saúde). Porém, sumular entendimento dessa natureza, afastando a necessidade de requisito expressamente previsto na lei, parece ser competência do Poder Legislativo e não do Judiciário.
Fonte: jusbrasil.com.br