Os irmãos separados

Artigo publicado em 1° de julho de 2002

Jornal Estado de Minas

Seção Opinião, p. 7

Autor: Dr. Geraldo Magela S. Freire – OAB/MG 15.748

 

       OS IRMÃOS SEPARADOS 

 

Geraldo Magela S. Freire

Advogado, diretor da União de Juristas Católicos

 

Na aprazível cidade de Poté quase todo o comércio era de árabes. Chegavam turcos; passavam a sírios e, com a abastança, viravam libaneses. Às vezes traziam as mulheres, que morriam sem que se ficasse conhecendo. Ficavam viúvos, voltavam à origem para buscar outra, sempre lindas. Quando vinham solteiros, casavam com brasileira branca, negra ou multada, sem nenhum preconceito ou discriminação.  Hospitaleiros, comer em suas casas era uma fartura só.  Aprendi a comer “raleu”, grão-de-bico, kafta, arroz com lentilha, “charuto” e outros. Compravam café e outros gêneros.  Na hora de pagar, ouvi muito:   “Eu não ter dinheiro. Eu pagar com mercadoria.”  O radicalismo não fazia parte de seu perfil.

Por isso, choca-me, ler diariamente sobre ataques terroristas no Oriente Médio. No último, um homem-bomba, jovem terrorista palestino em um ônibus lotado, detona uma bomba e mata inúmeros estudantes e crianças israelenses.  O mesmo tem sido feito em restaurantes, escolas, ponto de ônibus e outros locais, atingindo civis e turistas que não estão em guerra. Para responder a essa nova onda de violência e terrorismo,  no dia 24 de janeiro deste ano, o Papa João Paulo II reuniu na cidade italiana de  Assis – Centro da Fraternidade Universal –  mais de 200 líderes das religiões do planeta, em busca da reunião dos irmãos separados.

Nessa Assembléia foi condenada “a guerra dos deuses”, onde o Papa advertiu que “Não se pode ter inspiração em Deus para exercitar a violência ou justificar o terrorismo”.  Foram duas bonitas solenidades – coloridas por um festival de cores das vestimentas de alguns representantes – na Basílica de São Francisco e na Igreja da Virgem, esta próxima à estação ferroviária, por onde chegou e retornou o comboio da paz de Roma, imitando o saudoso João XXIII. O jornalista Bernardo Valli anotou no artigo “La preghiera di Wojtyla immersa nella storia” que o Papa Wojtyla trouxe à discussão novamente a ética da responsabilidade nas relações internacionais, desaparecida desde o fim da guerra fria.  Mas, palestinos e judeus ainda não absorveram a lição. Há pouco tempo,  terroristas palestinos armados chegaram ao ponto de invadir a Igreja da Natividade, em Belém (construída no local em que nasceu Jesus Cristo), transformando-a numa trincheira, profanando o templo sagrado dos cristãos, provocando danos irreparáveis, porque também os radicais israelenses revidaram os ataques, desrespeitando também o lugar santo e  espremendo os corações dos cristãos.

Procuro na história uma explicação. Jesus Cristo é para nós católicos o filho de Deus. Enquanto para os judeus Moisés está acima de todos os homens, até que o Messias venha restabelecer as glórias de David e Salomão.  E, para os mulçumanos, Jesus é apenas um venerável profeta. Os judeus durante seis séculos viveram escravizados no Egito dos faraós, na Assíria e na Babilônia. Durante quase 2000 anos ficaram errando pelo mundo até a criação do Estado de Israel, cercado por repúblicas árabes, por decisão da ONU, presidida pelo saudoso brasileiro Oswaldo Aranha. Os árabes não concordaram e provocaram algumas guerras. Em  1967, Israel venceu a última e ocupou a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, impondo um humilhante domínio militar aos Palestinos e pretendendo se expandir ainda mais.

Os filhos de Sarah, deve-se reconhecer, transformaram o deserto árido numa terra fértil e produtiva, contrastando com as repúblicas dos filhos de Agar, que vivem na pobreza, embora tenham por ascendente o mesmo pai Abrahão.  Esta juventude palestina está sem emprego, ociosa e, portanto, sem esperança, sendo presa fácil para os agenciadores teocráticos, que circulam no horizonte cultural do oriente médio. Sem sombra de dúvida, os palestinos têm direito também a um Estado independente,  devem reconhecer definitivamente o Estado de Israel, porque ambos têm espaço na terra santa da Palestina, local sagrado para as três grandes religiões monoteístas. E os palestinos têm que acabar com o terrorismo, com os fanáticos homens-bomba se quiserem contar com a simpatia e o apoio de todo o mundo.  E os israelenses têm que parar com o expansionismo, tentando recuperar à força mais terras,  e devolver a Faixa de Gaza e a Cisjordânia aos Palestinos. Poderiam ambos excursionar ao monte TABOR, em cujo cume Cristo se transfigurou, entre Moisés e Elias, para uma conferência de paz, em busca da união dos irmãos separados.

(Jornal Estado de Minas em 1° de julho de 2002, Seção Opinião, p. 7)