Os recentes aumentos do IPI e do IOF

Belo Horizonte, 27 de dezembro de 2012

 

 

Ao longo do ano de 2011, o Governo Federal, em várias ocasiões, modificou as alíquotas dos tributos de sua competência para atender a interesses econômicos. Com efeito, somente o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras – foi modificado sete vezes no presente ano.

 

Já o IPI, com o advento do Decreto nº 7.567/2011, publicado no Diário Oficial do dia 16/09/2011, teve a alíquota majorada em trinta pontos percentuais para as operações de venda de veículos importados, assim entendidos aqueles que não tenham no mínimo 65% de componentes fabricados no Brasil, no México, Uruguai e nos países do MERCOSUL.

 

Diante das alterações acima citadas, fica a dúvida: pode o governo alterar, da noite para o dia, as alíquotas dos tributos de sua competência, causando uma situação incerteza e insegurança jurídica para os empresários dos ramos afetados? A resposta dessa assertiva deve ser investigada nos princípios básicos do direito tributário e na natureza dos tributos em foco.

 

Tributos como o Imposto de Importação, Imposto de Exportação, IPI e IOF, além de sua natureza fiscal, é dizer, de incrementarem a arrecadação, também almejam constituir um Sistema Tributário Nacional eficaz junto a uma política comercial favorável. Trata-se, com efeito, de verdadeiras ferramentas de controle do mercado, do fluxo internacional – importação e exportação – de mercadorias, da entrada de capitais, da variação cambial e de diversos outros aspectos da economia e até mesmo dos hábitos dos contribuintes. É o que se chama de extrafiscalidade.

 

Um exemplo prático do que se está a dizer pode ser verificado quando o governo alterou, por meio do Decreto nº 7.454/2011, de 2,38% para 6,38%, a alíquota do IOF para compras com cartão de crédito no exterior. A justificativa desse aumento residiu em aspectos extrafiscais, ou seja, no fato de o item viagens internacionais, nas contas externas brasileiras, ficar negativo (gastos de brasileiros no exterior maiores do que receitas deixadas por estrangeiros no Brasil) em US$ 1,9 bilhão só no primeiro bimestre. Dessa forma, o Governo visou desestimular ou, ao menos, diminuir os gastos dos brasileiros no exterior para equilibrar o déficit acima citado.

 

O IPI, por sua vez, reveste-se da mesma característica. Ou seja, cabe ao governo alterá-lo, de acordo com a sua conveniência, para equilibrar a economia, desestimular a venda de certos produtos – o IPI do tabaco e das bebidas alcoólicas, por exemplo, é muito alto, e atender a objetivos que fogem do escopo meramente arrecadatório. Em diversas oportunidades, ele é alterado com objetivos distintos da arrecadação.

 

Destarte, em razão desse mister extrafiscal dos tributos acima citados, a Constituição da República estabeleceu algumas exceções para a sua majoração. O art. 150, §1º da Constituição permite que o IPI e o IOF sejam cobrados no mesmo exercício em que haja a majoração. O IOF também pode ser cobrado antes de decorridos noventa dias da sua edição, o que é vedado nos demais tributos.

 

Além disso, permite-se que essas alterações sejam veiculadas por meio de Decretos, atos legislativos de competência do Poder Executivo, a teor do art. 153, §1º da Constituição Federal. Não há, portanto, a necessidade de um processo legislativo para se alterar o referido tributo, um ato exclusivo do governo tem o condão de fazê-lo.

 

É dizer, uma alteração do IOF publicada hoje, pode viger amanhã.  No tocante ao IPI, entretanto, conforme demonstrado acima, deve haver o respeito ao princípio da espera nonagesimal, ou seja, de acordo, com o art. 150, III, c, da Constituição Federal, o aludido tributo não pode ser cobrado “antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que o instituiu ou aumentou.”

 

Apesar da clareza cristalina do dispositivo acima transcrito, isto é, o IPI pode ser cobrado no mesmo ano em que majorado mas deve aguardar noventa dias para essa alteração entrar em vigor, já que não há nenhuma ressalva desse tributo para o princípio da espera nonagesimal, o Governo Federal, recentemente, se esqueceu desse detalhe de relevância constitucional.

 

Com efeito, o Decreto nº 7.567/2011, que majorou em trinta pontos percentuais a alíquota do IPI, foi expresso ao prever a sua entrada em vigor na data de sua publicação. É dizer, passou ao largo do princípio constitucional da espera nonagesimal, eis que, de acordo com a sua ilação, o IPI poderia ser cobrado no dia seguinte.

 

A referida medida, além de ter alterado, de forma abrupta, o valor dos veículos importados, desrespeitou, flagrantemente, o texto da Constituição Federal que dispõe, repita-se, que a majoração do IPI somente poderá ser cobrada decorridos noventa dias da alteração da lei que o estabeleceu. Não é muito ressaltar que as limitações constitucionais ao poder tributar são cláusulas pétreas, não poderão sequer ser alteradas por emenda constitucional.

 

Dada tamanha insegurança jurídica e a possibilidade de tal medida, por muitos classificada como protecionista, colocar, da noite para o dia, os automóveis importados em condições desiguais de competitividade com os nacionais, algumas montadoras se viram obrigadas a recorrer ao Poder Judiciário.

 

A montadora chinesa Chery, por exemplo, conseguiu na Justiça Federal em Vitória (ES) liminar postergando para 15 de dezembro de 2011, o aumento de 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em atenção ao princípio acima referido.

 

É certo que os tributos extrafiscais são muito importantes no nosso Sistema Tributário para ajudar na regulamentação da economia, para desestimular diversas condutas, e outros fins. No entanto, todas as alterações tributárias, especialmente aquelas que implicam tamanho aumento na carga tributária de determinados produtos, devem obediência à Constituição Federal.

 

Dessa forma, prever a vigência automática de uma medida que aumenta em trinta pontos percentuais o IPI para veículos importados, é um equívoco lastimável do Poder Executivo que deveria, ao reverso, zelar, ao máximo, pelo respeito à Constituição Federal, pois é dela que ele retira a sua legitimidade.

 

 

Henrique Affonso Silva Freire

Adriano Andrade Muzzi