Dezoito anos do Código de Defesa do Consumidor

Publicado no Jornal Estado de Minas, Caderno Direito & Justiça, Seção Opinião, em 20/04/2009

 

Geraldo Magela S. Freire

Advogado, Presidente da Comissão de Relações de Consumo da OAB/MG e sócio da SILVA FREIRE ADVOGADOS

 

A cidadania tem crescido com a constante aplicação do Código de Defesa do Consumidor. A OAB em Minas se orgulha de estar contribuindo para isso, porque, sem dúvida, além de ser uma instituição corporativa, é, também, o maior Tribunal da cidadania do país, sempre presente em todos os movimentos pela construção do estado democrático de direito.

 

Na sociedade de produção, comercialização e consumo em massa, todos têm e precisam consumir. Para gerar riquezas e empregos, entre outros objetivos. Por isso, atendendo a recomendação da ONU, o CODECON tem sua origem na Constituição. Foi instituído por Lei publicada em setembro/1990 que entrou em vigor 180 dias após (art. 118/CODECON), ou seja, março/1991, completando agora 18 anos de sua vigência.

 

É de ordem pública e interesse social. Seu principal objetivo é fazer com os custos sociais da produção em massa sejam suportados pelo fornecedor (de produtos e/ou serviços), porque somente ele tem como transferir estes custos para o aumento do preço ou para o aumento da produtividade. Id est, indeniza-se o consumidor vítima e se ressarci transferindo o prejuízo para o aumento da produtividade ou para o preço do produto.

 

Os produtos fabricados em grande escala saem normalmente com defeitos igualmente em grande quantidade. E como o consumidor não é especialista, o código lhe dá proteção, considerando-o presumivelmente hipossuficiente técnica e economicamente, porque é o fornecedor é que tem o projeto do produto, especificações, laboratório etc, sob pena de se inviabilizar qualquer pretensão do consumidor. Daí a inversão do ônus da provaex-vi legis.

 

Consumidor é aquele que adquire bens ou serviços como destinatário final.

 

        Fornecedor é aquele que oferta de produtos e serviços para atender ás necessidades dos consumidores.

 

        Sempre que se puder identificar a figura do consumidor e fornecedor, envolvendo produtos e serviços, estará configurada a relação de consumo.

 

Estes novos direitos advindos do CODECON não podem ser interpretados de acordo com os meios ortodoxos do direito, criados para solução de conflitos individuais. Por isso, a doutrina dos timoneiros tem reconhecido que o processo civil tradicional mostrou-se incapaz de atender os reclamos da coletivação da produção, da comercialização e do consumo de bens e serviços, que chama de Direito das Relações de Consumo.

 

No Código Civil, o adquirente apenas poderá redibir o contrato, obter o abatimento do preço (ações edilícias: estimatória, quanti minoris) e, eventualmente, auferir perdas e danos perante o alienante imediato, não alcançando os alienantes anteriores.

 

Com o CODECON superou-se a dicotomia clássica entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual (aquiliana), baseados na culpa. Então, a responsabilidade civil do fornecedor não nasce do contrato ou do fato ilícito, mas da existência de um outro vínculo: a relação jurídica de consumo, contratual ou não, que passaram a ser unificadas, protegendo também as vítimas. É a teoria unificada da responsabilidade civil.

 

Nas relações de consumo não importa a boa ou má-fé do fornecedor de serviços. Havendo relação de consumo, a responsabilidade nasce por três espécies de vícios: vício de qualidade por inadequação, vício de qualidade por segurança e vícios de quantidade. A solidariedade é de todos que compõem a relação de consumo. Havendo dano e nexo causal, surge a obrigação de indenizar.

 

Por ser de ordem pública e interesse social, na hermenêutica do CODECON o sentido não vem só de seus autores e das palavras que usaram. Os destinatários são também co-autores na medida que inserem a mensagem dentro dos contextos vitais em que se acham. Então, o sentido original ganha novas ressonâncias quando presentes certas circunstancias. E o conteúdo das leis tem que ser trazidos para a realidade concreta das pessoas a quem elas pretendem beneficiar.

 

Se o destinatário da proteção legal é o consumidor, por que não lhe antecipar a tutela jurisdicional, deixando para a empresa, a quem na sociedade de consumo cabe suportar os custos sociais da produção em série, a espera da solução definitiva da lide? Por que também não presumir que o consumidor também tem capacidade econômica para suportar a reversão do que lhe foi concedido? O binômio de Justiça célere e acessível deve ser respeitado.

 

A antecipação dos efeitos da sentença, pode ser concedida em qualquer fase do processo e em qualquer grau de jurisdição. Como admitir recusar-se o Estado a tutelar o direito verossímil, sujeitando seu titular a percorrer as agruras do procedimento ordinário, para depois, na sentença final, reconhecer a existência apenas teórica de um direito definitivamente destruído pela sua completa inocuidade em razão do decurso de tempo?

 

Os efeitos antecipáveis de sentenças condenatórias são um fenômeno processual, e não substancial, sendo a figura processual dofumus boni iuris plenamente suficiente para explicar os institutos da ‘prova inequívoca (art. 273, caput) e do relevante fundamento. A ‘prova inequívoca deve ser pré-constituída e relaciona-se intimamente com a figura do “direito líquido e certo” do mandato de segurança.

 

Não basta apenas que os consumidores exijam o cumprimento do CODECON. As empresas também devem atuar de forma preventiva, readequando seus contratos e suas normas à Lei. Com isso, além de respeitar o consumidor, elas reduzirão eventuais riscos e custos com ações judiciais. Trata-se de  antecipação da atuação jurídica por meio da orientação consultiva, voltada para se alcançar a observância segura da lei. Este é um investimento que gera segurança e economia às empresas.

 

Por fim, não basta o advogado ter uma atividade digna e honrada, porque como represente de terceiro, como importante agente político de transformação social, que pode atuar eficazmente para diminuir a exclusão social, sua atividade também tem que ser útil e proveitosa ao próximo e à sociedade.