O natal com monitoramento eletronico dos presos

Gustavo Americano Freire, advogado, Pós-graduado em Ciências Penais pela Escola Superior do Ministério Público

 

Publicado no Jornal Estado de Minas, 1º caderno, Opinião, em 24/12/2010.

 

Mais um ano chega ao fim e o Sistema Carcerário brasileiro mostra, mais uma vez, seu estado de falência e sua incapacidade em cumprir seu escopo cardeal, qual seja: devolver para a sociedade indivíduos recuperados, reabilitados, aptos a conviverem harmonicamente com o corpo social.

De acordo com o Ministério da Justiça, o estado de Minas Gerais chega ao final do ano de 2010 com uma população carcerária de 49.137 presos. Estima-se que nosso estado gasta aproximadamente R$1.500,00 por mês com manutenção de um preso, o que perfaz um montante aproximado R$73.705.500,00 mensais e anual de R$884.466.000,00, levando-se em conta toda a população carcerária.

Tais dados apenas demonstram os altos custos para a manutenção dos presos, salientando que, na mesma vertente, a ineficácia das medidas prisionais se refletem nos índices sempre crescentes de criminalidade, com destaque para os elevados índices de reincidência.

Uma nova medida criminal, na tentativa de salvar nosso falido Sistema Carcerário, foi criada pela Lei 12.258/2010, que instituiu o sistema de monitoramento eletrônico dos presos, através do uso de tornozeleiras ou pulseiras eletrônicas que permitirão precisar a exata localização do condenado ou do liberado quando estiverem fora do estabelecimento prisional.

O principal argumento utilizado pelos defensores da referida Lei diz respeito à questão da economia que seria gerada e a redução do número de fugas. Segundo os defensores do sistema de monitoramento eletrônico, o custo de manutenção mensal do preso cairia aproximadamente 60% e na mesma proporção o número das fugas.

Mas será que os benefícios trazidos por esse novo instituto fará com que o Estado cumpra com o seu mister, de reinserir o individuo, novamente, no seio social?

Primeiramente, insta destacar que tal monitoramento só será utilizado nos presos durante as saídas temporárias do regime semiaberto, quando os detentos são agraciados com os conhecidos indultos de Natal, de Páscoa e de Dia das Mães, e quando for determinada a prisão domiciliar, conforme dispõe o art. 146-B do citado diploma legal.

Levando-se em conta toda a população carcerária do estado, o monitoramento eletrônico será utilizado em menos de 10% dos presos, mais precisamente em cerca de 3.980 reclusos.

Além disso, não existe nenhuma garantia de que a nova Lei impedirá as fugas. Ela apenas vai dificultá-la, eis que, sendo monitorado, o preso terá mais dificuldades para empreender fuga.

 

Deve-se observar também que, em princípio, a nova Lei em nada melhorará o problema das superlotações das prisões brasileiras, posto que, como dito, será aplicada em menos de 10% da população carcerária.

Merece frisar que mais da metade da população carcerária corresponde aos presos provisórios, ou seja, aqueles que não foram definitivamente condenados. Hoje são 20.793 presos provisórios, sendo que em tais presos o sistema de monitoramento eletrônico não será utilizado.

Não se pode perder de vista também que vivemos em um Estado Constitucional e Humano-centrista de Direito, onde a liberdade é a regra e todos os direitos do preso devem ser respeitados. Será que a utilização das tornozeleiras ou das pulseiras eletrônicas não traria uma estigmatização do condenado ou do liberado? Será que a adoção de tal medida não se poderia transformar em uma espécie de “prisão mental”, pelo fato do condenado ou liberado ter que conviver 24 horas por dia com os instrumentos eletrônicos presos ao seu corpo? Imaginem o constrangimento e humilhação na hipótese de um condenado ou liberado ingressar numa agência bancária e parar na porta detectora de metais, ou ao ter que se submeter a um exame admissional portando os citados objetos eletrônicos.

A nosso ver, o “Big Brother Penitenciário” não é a solução do sistema. O ideal, ao invés de investir nesta espécie de medida, que, aparentemente, tem como objetivo prefacial a redução dos gastos mensais com os presos, seria a criação de mais vagas de trabalhos destinadas aos detentos e ex-detentos, uma maior qualificação dos agentes penitenciários e, principalmente, maior investimento e desenvolvimento de efetivos projetos de reinserção social, que é o verdadeiro objetivo da pena.