Sem registro formal, doação feita de mãe para filha vira empréstimo

O contrato de doação feito sem escritura pública ou outro instrumento particular é nulo, com exceção de casos em que se doam bens móveis e de pequeno valor. Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça reconheceu que uma mulher que entregou dinheiro à filha para bancar o tratamento médico da neta tem direito a ter o valor devolvido após a morte das duas. Em vez de declarar a nulidade do negócio, o colegiado fez a conversão para um empréstimo.

Moradora do Rio Grande do Sul, a autora havia repassado ao menos parte do valor arrecadado com a venda de um imóvel. Ela cobrava que o dinheiro fosse deduzido da parte disponível no inventário que tramita na Justiça, no qual o ex-marido da filha é o único herdeiro. Mas a ação foi negada tanto em primeira instância quanto pelo Tribunal de Justiça gaúcho, sob a alegação de que ela havia repassado o dinheiro para tratamento da neta por conta própria.

No STJ, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, apontou que a controvérsia dizia respeito à natureza do negócio jurídico celebrado entre mãe e filha. O tribunal de origem definira a doação como mera liberalidade. Já a doadora afirmou tratar-se de “antecipação da legítima” — como se denomina a doação a herdeiros. Andrighi, porém, constatou que seria mais correto definir que elas haviam feito um contrato de mútuo, ou seja, de empréstimo.

A ministra disse que o contrato de doação deve ser celebrado por escritura pública ou instrumento particular. “A ausência dessa solenidade macula de nulidade o negócio jurídico entabulado entre as partes, conforme preceitua o artigo 145, inciso IV, do Código Civil de 1916”, escreveu em seu voto. “Por lhe faltarem elementos essenciais, o negócio jurídico celebrado entre mãe e filha não pode ser enquadrado, segundo afirma a recorrente, como um contrato de doação e, portanto, não importa em antecipação de legítima.”

Por meio da conversão, conforme estabelece o artigo 170 do Código Civil de 2002, conservam-se os atos jurídicos, porque são interpretados de forma a produzir algum efeito, em vez de nada produzir, caso fosse declarada a sua nulidade (princípio da conservação dos atos jurídicos). Além disso, prestigia-se o resultado pretendido pelas partes (princípio da boa-fé objetiva), afirmou a relatora.

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