Artigo publicado em 23 de setembro de 2002
Jornal Estado de Minas
Seção Opinião, p. 7
Autor: Dr. Geraldo Magela S. Freire – OAB/MG 15.748
UMA JANELA DE ESPERANÇA
Geraldo Magela S. Freire
Advogado
No domingo chuvoso de 14 de abril do corrente ano, o Papa João Paulo II beatificou, numa bonita solenidade na Praça de São Pedro, o então Venerável Ludovico Pavoni, cujo carisma são os menores abandonados e excluídos, a quem recolhia na rua para ensinar-lhes um ofício independente (alfaiate, marceneiro, tipógrafo etc), que lhes permitisse sobreviver com dignidade e independência. As lágrimas celestiais não eram de tristeza, mas de louvor a Deus, pela realização das obras sociais em várias partes do mundo.
Nascido de família nobre em Bréscia, na Itália, numa época em que a Europa estava em ebulição, porque, cinco anos antes, eclodira a Revolução Francesa, uma das mais sanguinolentas da história (14/07/1789), quando o povo de Paris, revoltados com Luís XVI e a austríaca Maria Antonieta, destruiu a Bastilha, cárcere dos presos políticos e símbolo do despotismo. Em recente encontro nacional da Família Pavoniana em Belo Horizonte(7 e 8 de setembro), foi lida uma passagem do Evangelho de São Lucas, em que Jesus Cristo, chegando na sinagoga de Nazaré, cidade em que foi criado, recebeu o livro do profeta Isaias, que contem o programa de toda a atividade de Jesus, que era e é a missão libertadora dos pobres e oprimidos e anunciar o ano da graça do Senhor, quando “eram perdoadas todas as dívidas e se redistribuíam fraternalmente todas as terras e propriedades”.
Naquela época, tal como agora, a Lei era usada para justificar a exclusão social. Os donos do poder justificavam isso como conseqüência da aplicação da Lei de Deus, que, na interpretação dos judeus, ao invés de ajudar, excluía ainda mais. Era o reflexo da situação do povo da Galiléia daquela época.
Mudou alguma coisa de lá para cá? Ou a Lei continua sendo usada para a exclusão de 50 milhões de brasileiros que habitam as ruas, os viadutos, as casas de pau-a-pique, as palafitas, sem ter pão para por na mesa, ou alimentando-se nos lixões das grandes cidades?
Desde tempos imemoriais Cartas Magnas, que culminara com a Carta das Nações Unidas (1945) se promulgaram para garantir os direitos humanos. Mas, entre nós, são quatro séculos de escravidão e exclusão social. Neste 2002 o Brasil está no final da sucessão do governo FHC, renovação de dois terços do senado federal, eleição para deputados federais e estaduais. O eleitor deve analisar as propostas e conferir a vida e o passado dos postulantes a cargos executivos e legislativos e repudiar aquele que pode usar a lei para oprimir e excluir, em vez de congregar e unir. Quem vai nos dar a oportunidade de escolher o que é prioritário: o asfaltamento da rua na Zona Sul ou a canalização do esgoto que corre a céu aberto, infestando milhares de crianças na favela? Matando a fome da maioria da população excluída, será que vamos poder calçar um tênis e andar à noite sem medo de ser assaltado ou morrer nas mãos dos delinqüentes? Qualquer brasileiro, maior de 35 anos, idôneo e de conduta ilibada, pode ser candidato a presidente ou governador, conforme se lê no artigo 14 da Constituição Federal. Não precisa ser sábio nem ornado com títulos honoríficos. No Evangelho está escrito que “a letra mata e o espírito vivifica”. Temos vários candidatos. Cada um deles tem propostas avançadas. É só fazer a escolha, na eleição presidencial e no Estado. E que cada eleitor seja um fiscal, pois sabemos que muitos, “pela força ou pela fraude, falsificam todos os atos e processos da vida pública que conduzem ao poder.” (História do Brasil, publicada no 4º centenário do descobrimento do Brasil).
Estamos diante de um dilema: retomar o crescimento ou então continuar mendigando empréstimos ao FMI. Esta a responsabilidade do eleitor: saber discernir entre que conhece ou não as agruras do trabalhador para conseguir emprego e sabe das dificuldades do empresário com uma carga monstruosa de tributos, com juros extorsivos. Quem vai fortalecer a empresa nacional e a economia interna para não ficar refém dos especuladores internacionais? Espero que quem for eleito se lembre do saudoso presidente Tancredo Neves, que, em entrevista aos correspondentes internacionais (março de 1985), disse que não iria “pagar a dívida externa com a fome do povo”. Que seja eleito o melhor, na república e aqui, porque ninguém está satisfeito com a estrutura atual da sociedade e quer mudanças para implantar a justiça social, abrindo uma janela de esperança.
(Jornal Estado de Minas em 23 de setembro de 2002, Seção Opinião, p. 7)