Uma luz nas trevas

Artigo publicado em 26/12/2003

Jornal Estado de Minas

Autor: Dr. Geraldo Magela S. Freire – OAB/MG 15.748

 

UMA LUZ NAS TREVAS

Geraldo Magela S. Freire

Advogado – Diretor da União de Juristas Católicos

Jesus nasceu no contexto político da expansão do império romano, sob o imperador Cesar Augusto (29 a.C. a 14 d.C.). Belém era uma pequena, antiga e famosa cidade, onde reinara por muitos séculos a dinastia de Davi. José e Maria não tinham teto onde pudessem se alojar. Maria dá à luz numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.

Nasce então a esperança de que a vida tenha algum sentido, quando Deus se faz presente solidariamente na doença que nos faz sofrer e na morte que nos impõe medo, que é capaz de desfazer os nós complicados da nossa existência, pretendendo alcançar uma nova fraternidade entre todos os povos. É o mistério da Encarnação. É o Eterno que entra no tempo, quando Deus assume o rosto do homem. É a Luz no meio das trevas.

O desejado por Deus é um mundo de justiça, amor, solidariedade e perdão; onde haja a verdadeira conversão, que altera nossas atitudes para que coexistam direitos iguais a uma vida com liberdade, saúde, moradia, alimentação, emprego, escolas, sem preconceitos e sem exclusão.

Diz o cardeal Carlo Maria Martini (NATAL – Apesar da tristeza dos tempos, ed. Paulinas, 1999, p. 67), que uma antiga tradição cristã distinguia quatro noites fundamentais da história da humanidade: a noite da criação do mundo, noite em que a luz de Deus rompeu as trevas do cosmo; a noite da aliança com Abraão, enquanto o Sol se escondia atrás dos montes, a escuridão lá se tornando densa e Deus prometia a Abraão uma descendência que durasse para sempre (cf. Gn 15, 17-18); a noite em que se deu a libertação dos hebreus da escravidão do Egito, a noite da Páscoa, a noite da passagem do Deus libertador; por fim, a quarta noite. Aquela em que viria o Messias, o Salvador.

Acabamos de celebrar a noite que descortinou a aurora de uma nova história, de um novo curso dos séculos, em que o filho de Deus ergueu a sua tenda no meio dos homens, inaugurando uma ponte para a reconciliação. O Natal do ano passado foi de esperança, com um novo tipo de brasileiro chegando ao poder. Temos que fazer força para acreditar nas promessas que ainda não se realizaram. A fome continua. Os pobres sofrem nas filas do Sistema Único de Saúde (SUS). Os menores infratores manipulados pelas máfias, desafiam a polícia, matam, assaltam, praticam crimes hediondos. Todos temem andar pelas ruas. As estradas esburacadas mantêm sua rotina eliminando milhares de brasileiros por ano.

Há sempre uma justificativa dos governantes: faltam R$ 200 bilhões para pagar os juros das dívidas externa e interna. Aumenta-se a cada dia o fosso que separa ricos e pobres. Depositamos todas nossas esperanças nas urnas, sonhando com a abertura de um novo caminho em busca de justiça social , porque a nossa consciência já não suporta conviver com a miséria que aflige a vida de 50 milhões de brasileiros.

O  cardeal Dom Helder Câmara dizia que a pobreza pode e às vezes deve ser um dom generosamente aceito ou até espontaneamente oferecido a Deus. No entanto, a miséria é revoltante e aviltante, diante da qual não podemos ficar indiferentes, porque fere a imagem do ser feito à imagem e semelhança do Criador  e viola o direito e o dever do ser humano ao aperfeiçoamento integral. Numa conferência em 03/12/91, o grande prelado brasileiro sugeriu a erradicação da miséria com a “Campanha Ano 2000 sem Miséria”, no sentido de que cada cidadão tome conhecimento dos casos de miséria existente para em conjunto procurar soluções efetivas (Câmara , Helder “Artesão da Paz”, Gráfica do Senado Federal, 2.000).

Esta é a hora de dizer que a desigualdade social  é a negação do sonho que nos acalenta quando oramos o Sermão da Montanha com sua ordem direta: “Bem aventurados os humildes, porque eles serão exaltados”. Não se trata de partir para ações revolucionárias tentadas no passado e que acabaram fracassadas ou usadas por ditadores que degradaram a história do século passado. Será aplicado os princípios do humanismo cristão que aperfeiçoaremos nossa organização político-social para realizar ações afirmativas e fazer do Brasil uma nova Canaã.