A receita do sucesso criada pelos países desenvolvidos, não observada por eles próprios
Publicado na Revista Jurídica MENS LEGIS, Ano II, nº 9, fev/2009
Qual a receita do sucesso criada pelos países desenvolvidos? Por que o capitalismo deu certo nesses países? Qual o reflexo na atual crise econômica? Como deve ficar o crédito?
A resposta a estas questões já foi objeto de estudo dos mais importantes analistas e cientistas políticos mundiais. Diversas soluções já foram tentadas. Estabilizar moedas, atrair investidores estrangeiros, privatizações e o livre comércio são algumas delas. Todas essas são iniciativas eficazes, mas não são as respostas às questões.
O real segredo (já esquecido) dos países desenvolvidos começou com a permissão para a geração de capital. Isso foi implementado de 2 formas. Primeiro com a valorização do direito de PROPRIEDADE, incentivando a legalização com a desburocratização para a aquisição dos títulos formais de propriedade. É a propriedade que permite que os ativos (imóveis) sejam convertidos em capital ativo. Em segundo lugar, mas não menos importante, com a criação de Leis que respeitassem a realidade de cada País, de cada região, permitindo que ativos adquiridos em acordos extralegais fossem reconhecidos e transferidos para o sistema legal. Foi o que fez os Estados Unidos com a Lei dos usos e costumes (common law). Isso tudo é o que defende o economista Hernando de Soto em seu livro “O Mistério do Capital” (Editora Record. São Paulo: 2001). Citado pela revista Timecomo um dos líderes latino-americanos do Novo Milênio, o autor afirma que existem 9,3 trilhões de dólares em capital morto nos países subdesenvolvidos. Se esse capital fosse legalizado, a economia veria um período de prosperidade como nunca se viu.
A ilegalidade resulta exatamente na perda desse capital. Empresas sem constituição legal, não podem receber investimentos, fazer publicidade, transportar em grande quantidade sem correr o risco da mercadoria ser apreendida. As negociações ficam restritas a pequenos grupos de conhecidos que também atuam na ilegalidade. Surgem máfias. Surge o desrespeito à Lei, a corrupção etc.
Segundo pesquisa realizada por De Soto, restou confirmado que na maioria dos países livrar-se dos custos e aborrecimentos do setor ilegal, em geral compensou o pagamento de impostos. A conclusão observada é que a permanência na ilegalidade é o custo (financeiro e social/burocrático) de se legalizar.
O acesso à Propriedade, pelo contrário, é o principal fator que permite o crescimento do País, pois é ela que gera a segurança das negociações. É ela que é usada como garantia na obtenção de crédito, que é a mais importante fonte de recursos das empresas iniciantes norte-americanas. É ela também que garante aos investidores o recebimento pelos produtos e serviços ofertados. Pessoas que não pagam por serviços e bens que consomem podem ser identificadas, cobradas, multadas. Por ela também é possível identificar e localizar indivíduos seja por motivos comerciais, judiciais ou cívicos. Com a propriedade, pode-se receber serviços de água, energia, esgoto, telefone ou televisão.
A Lei e a desburocratização também têm seu papel fundamental. No Peru, a equipe de De Soto implantou um programa para permitir que empresários extralegais passassem ao sistema legal. O resultado foi que 276.000 desses empresários registram suas empresas voluntariamente, sem qualquer promessa de redução de emprego. Passados 4 anos, a receita obtida somente dos negócios que saíram da clandestinidade foi de US$1,2 bilhões. Além disso, como concluiu Andrzej Rapacynski[1], a partir do momento que a maioria das pessoas obedece às Leis, o governo as executa com eficácia e a um custo menor. Já quando uma grande parte da população está na ilegalidade, não há autoridade forte o bastante para policiar a todos. Por isso, a legalização fortalece o próprio Estado. Margaret Gruter[2] acrescenta ainda que “a lei representa a formalização de regras comportamentais, sobre as quais uma alta percentagem de pessoas concorda (…) Quando as pessoas não reconhecem ou acreditam nesses benefícios potenciais, as leis são com freqüência ignoradas ou desobedecidas.”
A legalidade gera mais investimento, capital e progresso. A partir do momento em que o Estado reconhece os direitos de propriedade, amplia-se com ela o potencial do capital, pela segurança do título formal. E capital não é o estoque acumulado de ativos, mas sim o seu potencial. “Dinheiro não rende dinheiro. É preciso antes um direito de propriedade para se fazer dinheiro.”, continua o autor.
Foi assim, pelas Leis e pela propriedade, que países como os Estados Unidos se tornaram potências. Entretanto, eles se esqueceram do mais básico dos ensinamentos. A propriedade (móvel, imóvel, ações etc.) é que gera a segurança. O erro dos americanos foi exatamente deixar de exigir esta segurança na concessão de empréstimos. As instituições (especificamente aFreddie e a Fannie) concederam empréstimos a indivíduos que, em condições normais, nunca conseguiriam obtê-los. Não foi respeitada a máxima de que os empréstimos estão sempre ligados à capacidade de pagamento. Segundo Lew Rockwell, presidente do Ludwig Von Mises Institute, “Em uma economia de livre mercado e com moeda forte, empréstimos estão diretamente ligados à capacidade de pagamento. No início, eles estão disponíveis apenas para os ricos. À medida que a prosperidade vai se espalhando, a capacidade de crédito vai aumentando. Qualquer intervenção governamental concebida para injetar esteróides nesse processo vai acabar inevitavelmente criando aquilo que Rothbard chamou de aglomeração de erros”. Acreditando que as dívidas seriam pagas, os bancos fizeram investimentos (securitização). E foram esses investimentos (feitos a partir de dívidas) que causaram a perda da liquidez, ou seja, perda da capacidade de pagar os investidores.
Os Estados Unidos já haviam legalizado todo (ou a maioria) seu capital “extralegal” e estavam procurando algo para inflar ainda mais a economia e permitir que seus cidadãos pudessem buscar o “sonho americano”.
Por isso é que o Brasil podia estar melhor. Nós ainda não exploramos o imenso capital morto que pode ser transformado em ativo.
Apesar disso, o Brasil vinha vivendo um momento de grande acesso a um crédito concedido com segurança e responsabilidade. Foi isto que contribuiu para o bom desenvolvimento econômico do País. Esse crédito não pode sumir. Porém, o erro americano deve ser respeitado, visto e revisto como o maior aprendizado que os mercados (sim, os mercados!) dos países emergentes podem ter. Porque, no final das contas, quem regula o mercado é o mercado.
Luis Felipe Silva Freire
Advogado, Membro do Instituto de Estudos Empresariais ( I E E ) e sócio da Silva Freire Advogados