CONFLITOS DE VIZINHANÇA

Geraldo Magela S. Freire
Sócio Fundador da SILVA FREIRE ADVOGADOS


O Superior Tribunal de Justiça, como órgão encarregado de
uniformizar a jurisprudência da legislação infraconstitucional, tem exarado
inúmeras decisões que tratam dos conflitos entre vizinhos, próximos ou não,
envolvendo direito de vizinhança, limitações ao direito de propriedade,
servidões legais ou convencionais, de vista, paisagem, iluminação e
ventilação, ruídos, passagem forçada entre imóveis encravados, demolição de
muros ou poda de árvores que as dificultam.

Do meu apartamento enxergo uma casa que está sendo transformada em
uma fortaleza. Os muros foram levantados, gerando sombra e atrapalhando a
vista e iluminação nas casas contíguas. Noto que os vizinhos devem ter
concordado, porque os muros estão sendo pintados do lado das casas que a
cercam. Sem dúvida que o acordo, judicial ou não, é a solução.

Igualmente enxergo que uma construção está sendo feita no último andar de um
prédio vizinho, atrapalhando minha “servidão de vista”. Vi impedir minha
vista panorâmica que tenho onde enxergo o antigo apartamento que morei por
muitos anos e parte da visão panorâmica que tenho do Bairro Santo Antônio.
Para esse tipo de construção é necessário um projeto com a aprovação da
Prefeitura, para que não haja comprometimento da segurança dos outros
moradores e não invada o direito do vizinho, obstruindo a vista, a
ventilação natural, a iluminação e outros.

Em ação demolitória, o proprietário de um imóvel localizado no bairro Leblon
no Rio pretendeu que fosse demolido o muro do vizinho que atrapalhava a sua
vista para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Foi celebrado um acordo judicial,
preservando-se a vista, iluminação e ventilação, com a redução do muro.
Todavia, foram plantadas trepadeiras e árvores que vieram atrapalhar
novamente a visão da lagoa. No 1º grau de jurisdição foi determinada a poda
das árvores até a altura do muro. No TJRJ a sentença foi reformada por
entender que no acordo não havia garantido a alegada “servidão de vista”,
inexistente no direito brasileiro. No STJ o relator entendeu que o acordo
foi cumprido e não existia a proibição quanto ao plantio de árvores, que é
um direito do proprietário. Mas prevaleceu divergência no sentido de que
existe a servidão legal, que integra o direito de vizinhança; e a servidão
convencional, resultante do consentimento das partes, que deve ser
respeitada. Por fim, entendeu o STJ que o plantio de árvores foi exercido de
forma abusiva, em descumprimento ao avençado judicialmente, causando os
mesmos transtornos do antigo muro de alvenaria (REsp  935.474).
Em ação demolitória, que trata de servidão predial, o juízo de 1º
grau determinou o desfazimento de parede erguida pelo vizinho, que obstruía
as janelas ventilação e iluminação  naturais do prédio vizinho. A segunda
instância a manteve a decisão, confirmada igualmente pelo STJ.
Em ação indenizatória, por danos morais e materiais, contra a
vizinha do apartamento acima do seu, foi alegado que, durante um ano e meio,
começou uma infiltração na laje do teto de sua área de serviço, que se
alastrou por todo o apartamento. Em 1ª instância, foi fixado o valor dos
danos morais em R$1.500. O TJRJ retirou a indenização por danos morais, por
inexistir ofensa aos direitos de personalidade da autora. No STJ o acórdão
foi reformado com o entendimento de que não se tratava de simples
aborrecimentos ou dissabor comum, e admitiu a indenização por danos morais
porque “Na hipótese, tem-se verdadeiro dano a direito de dignidade, passível
de reparação por dano moral” (REsp 1.313.641).
Em ação de constituição de passagem forçada, com acidente geográfico
presente entre duas fazendas, o juízo de primeiro grau entendeu que, por
meio de obras, o autor poderia ter acesso à via pública, entendimento que
foi mantido pelo tribunal estadual. Todavia, o STJ reformou a sentença
apoiado no entendimento de que a fazenda encravada somente teria acesso para
a via pública se fosse construída estrada a custos elevados.
Reconheceu o direito da passagem forçada, mas com fixação de indenização
para o vizinho que a iria tolerá-la (REsp 316.336).
Em ação possessória contra um Condomínio de Edifício, pretendeu o
morador de uma quitinete em Brasília-DF que uma empresa comercial fosse
proibida de utilizar um equipamento que produzia vibrações e ruídos que
afetavam sua qualidade de vida, no andar acima de sua residência, com
indenização por danos morais. No 1º grau fixou a sentença o entendimento de
que a convenção de condomínio previa a finalidade exclusivamente comercial e
que o barulho acima do tolerável era no período noturno. O TJDF proveu o
recurso para fixar em R$15 mil os danos morais sofridos. Prejudicado o outro
pedido de proibição do uso do equipamento, porque o morador deixou o imóvel.
O STJ, superando as regras condominiais, entendeu que havia uma área de uso
misto tolerado e manteve a condenação por danos morais.
Em ação cominatória movida pelo Condomínio pretendendo que o
locatário permitisse o acesso a sua unidade, para higiene e limpeza prevista
na sua Convenção, que estava em condições precárias que afetava a saúde e
bem-estar no prédio. Foi admitida a legitimidade também do locador para
responder por danos relativos ao uso da propriedade. O STJ manteve a decisão
(REsp 1.125.153).
Em primeiro grau de jurisdição, a sentença determinou que o vizinho
pagasse indenização por danos materiais e retirasse os tirantes utilizados
na escoragem da parede de contenção erguida. O TJRS manteve a indenização,
mas podou a remoção dos tirantes. O STJ, negando provimento ao REsp, impediu
que o vizinho se opusesse às obras de escavações em seu subsolo,
amparando-se na função social da propriedade, pois a utilização de parcela
do subsolo não traria prejuízo ao direito de uso, gozo e fruição da
propriedade.
Consta-se, assim, que as interferências a favor de um morador pode
significar restrições ou violações dos direitos dos vizinhos e  devem ser
toleradas para que vivam em harmonia.