Justiça anula multa por atraso – Reportagem com o Dr. Geraldo Magela

Estado de Minas – quarta-feira – 25 de outubro de 2006

Caderno de Veículos, pág. 07

Transferência 

JUSTIÇA ANULA MULTA POR ATRASO

Infração por demora no procedimento é desconsiderada, abrindo precedente para situações semelhantes. Exigir seguro obrigatório para licenciar é inconstitucional.

Por Paula Carolina

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais acaba de considerar nulo auto de infração em  que o condutor tinha dado entrada com a documentação para transferência no prazo legal de 30 dias (artigo 233 do Código de Trânsito Brasileiro/ CTB), mas não conseguiu concluir o processo porque foi exigido o comprovante de pagamento do seguro obrigatório do ano anterior. A decisão abre precedente para casos semelhantes, já que são extremamente comuns situações em que o novo dono do carro tenta dar entrada no processo de transferência no prazo, mas não consegue, devido à falta de documentos de que não precisa dispor. Necessidade do comprovante de pagamento de multas cometidas pelo antigo proprietário e empecilhos burocráticos, quando o carro é registrado em outro estado, especialmente em São Paulo, são as situações mais comuns. “Meu cliente apresentou os documentos pedidos dentro do prazo. Mas não conseguiu transferir, porque faltava esse comprovante, uma exigência nova. Não poderiam ter considerado que ele entrou fora do prazo”, afirma o advogado Geraldo Magela Freire,responsável pelo caso. “Quando há multa do proprietário anterior é a mesma coisa”, diz.

PONTUAÇÃO A história começou em 13 de agosto de 1999, quando o cliente de Magela deu entrada, no Detran-MG, com o processo de transferência e foi apontada falta de recibo que comprovasse o pagamento do seguro obrigatório de 1998. O motorista entrou em contato com o antigo proprietário do veículo, que lhe entregou o recibo, porém já passado o prazo para a transferência. O documento foi apresentado ao Detran e a transferência realizada. Mas, dias depois, o motorista recebeu a notificação, apontando infração grave (multa de R$ 127,69 mais perda de cinco pontos na carteira). Ele recorreu à Junta Administrativa de Recursos de Infrações (Jari), mas perdeu. O motorista pagou a multa, e, indignado, principalmente com a pontuação atribuída a seu prontuário, recorreu à Justiça comum. “A infração supostamente cometida é meramente administrativa e não realmente de trânsito, ou seja, não implica ser mau ou bom condutor”, afirma o advogado. “O autor não crê que ele, por ter supostamente praticado uma infração administrativa, possa ser considerado um condutor perigoso ou irresponsável, motivo pelo qual, espera, no mínimo, sejam retirados os pontos de sua carteira de habilitação”, ressalta, na ação. O advogado acrescenta que havia, ainda, vícios na notificação: falta do local do cometimento da infração, preenchido apenas com 00000, e de identificação do infrator. “A multa foi lavrada sem a ciência do autor, mesmo tendo sido lavrada no momento da transferência do veículo, o que é uma incongruência absurda, passível de nulidade da notificação”, diz.

RESSARCIMENTOA decisão de primeira instância, confirmada pelo Tribunal de Justiça, determinou a anulação da multa, condenando o Estado a devolver o valor pago, com correção monetária desde a data do pagamento, mais juros de 0,5% ao mês, além da retirada dos pontos. Contraditoriamente, essa última medida não mais surtiu efeito, pois os pontos já haviam desaparecido do prontuário (pelo CTB, a cada 12 meses decorridos da infração, a não ser que o motorista tenha atingido os 20 pontos, os lançados deixam de valer). Na sentença de primeira instância, a então juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias, Heloísa Helena de Ruiz Combat, considera a entrada com os documentos dentro do prazo, ressalta os vícios da notificação – que deveria estar completa – e destaca não ter havido devida apreciação do recurso pela Jari. “Não há qualquer fundamentação pertinente, parecendo que tal decisão foi exarada de forma massiva, ‘adaptável’a qualquer tipo de recurso”, observa. E acrescenta: “Tenho que não foi razoável nem proporcional o ato administrativo que impôs multa por um fato que, naquele mesmo dia (em que se deu a transferência), estava solucionado, porque foi juntado o comprovante do seguro obrigatório, que já estava pago. Bastaria uma consulta do Detran para comprovar o pagamento”.

SEGUROA juíza ainda destaca a inconstitucionalidade da exigência de pagamento do seguro obrigatório para o licenciamento do veículo. “Caso se possa incluir o pagamento do seguro obrigatório entre os encargos (exigidos para o licenciamento), porque não se trata de multa nem de tributo, é bom ver que o pagamento do seguro é feito anualmente. O veículo já tinha o licenciamento de 1999, sinal evidente de que o seguro de 1998 já estava quitado, pois os Detrans não emitem o documento sem prova de quitação de débitos”, diz. “Por outro lado, tenho que a exigência da comprovação de pagamento prévio de seguro obrigatório e de multas para o licenciamento de veículos é inconstitucional, ferindo diversos princípios insertos na Constituição Federal”, completa.