Responsabilidade do Estado – Reportagem com o Dr. Geraldo Magela Freire

Estado de Minas – quarta-feira – 18 de abril de 2007

Caderno de Veículos, pág. 03

Acidentes

PODER PÚBLICO PODE SER RESPONSABILIZADO CIVIL E CRIMINALMENTE PELOS DANOS CAUSADOS POR FALHA NA PISTA. AÇÃO DEVE SER PROPOSTA, OBSERVANDO-SE A JURISDIÇÃO SOBRE O TRECHO

Por Paula Carolina

Mais uma vez, Minas Gerais, ao término de um feriado prolongado, fica com a trágica liderança em acidentes de trânsito no Brasil e, pior, com o registro de aumento no número de desastres e de mortos, em relação a 2006. Nas rodovias federais que cortam o estado, houve 324 acidentes com 15 mortes na semana santa; enquanto nas estradas estaduais que passam pela Grande BH, ocorreram 65 acidentes e uma pessoa morreu. A maior parte dos acidentes é provocada por imprudência, mas alguns resultam das condições das pistas, não só de manutenção, mas também de sinalização, erros de projeto em curvas ou regiões que ficam alagadas em períodos de chuvas, desníveis etc. E, nesses casos, a responsabilidade pelo acidente é (ou, pelo menos, deveria ser) do poder público, que pode ser acionado judicialmente, sendo observada a jurisdição de cada via. A advogada Luciana Mascarenhas, especialista em trânsito, alerta para a importância do boletim de ocorrência. “Quando há lesão corporal ou morte, a polícia vai ao local e faz a ocorrência na hora. O boletim de ocorrência é presencial e tem fé pública. Mas, quando não há vítima, muitas vezes, a polícia não vai. O motorista tem que ir à delegacia e fazer um relato de próprio punho. Isso perde a força”, observa. Além disso, é importante fotografar o local e as condições do acidente e do veículo, buscar testemunhas e anotar os endereços de todas. Também devem ser guardados orçamento ou nota fiscal dos prejuízos causados ao veículo, recibos de táxi ou aluguel de outro veículo, despesas com médicos, hospitais e remédios. “O artigo 5º da Constituição federal garante a todos a inviolabilidade do direito à vida e à segurança, incluindo-se a incolumidade física ou moral, assegurando-se, ainda, o direito à indenização pelo dano material e moral”, afirma o advogado Geraldo Magela Freire, presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seção Minas Gerais. Ele explica que, de acordo com a Constituição, a responsabilidade civil do poder público é objetiva, sob a modalidade de risco administrativo, o que significa que o cidadão não precisa provar a culpa do Estado. Nesses casos, é necessário somente fazer prova do dano e do nexo causal (relação entre o fato e a conseqüência). Daí a importância do boletim de ocorrência, testemunhas, fotos etc. RESPONSABILIDADE Se o dano foi causado dentro de cidade, a responsabilidade cabe ao município; em rodovia estadual, ao estado; em rodovia federal, à União. Porém, como há constantemente convênios entre os órgãos públicos, é preciso saber, de fato, quem é responsável pelo trecho em que ocorreu o acidente. Luciana Mascarenhas alerta, ainda, para o fato de que muitas vezes é mais razoável cobrar a responsabilidade do órgão de trânsito que gerencia a via, em vez de mover ação diretamente contra município, estado ou União. “O artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) diz que o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a eles cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. O dever dos órgãos de trânsito é uma coisa importante, pois daí advém o direito de realmente se cobrar uma contrapartida. A manutenção da estrada, por exemplo, é obrigação do órgão de trânsito, que tem responsabilidade sobre a via. Por exemplo, se o acidente foi em estrada federal, do Dnit; se foi em estrada estadual, do DER. Já dentro das cidades, vai depender de cada município e de qual órgão é o responsável pelo que aconteceu. Em Belo Horizonte, a BHTrans seria responsável por falta de sinalização, mas não por buracos na rua, o que é competência da Sudecap”, explica a advogada. Cabe ressaltar, ainda, a responsabilidade da prestadora de serviços, em situações de obras ou rodovias tercerizadas. NOTIFICAÇÃO Por fim, independentemente da ocorrência de acidentes, Geraldo Magela acrescenta que qualquer pessoa pode e deve notificar, judicial ou extrajudicialmente, a autoridade mais próxima (diretor do Dnit, DER ou autoridade municipal), informando a existência de buraco ou obra que comprometa a segurança: “Marca-se um prazo razoável de 90 dias, por exemplo, para restauração da rua ou da estrada. Ou, quando nada, a colocação de sinalização visível durante o dia ou à noite, antes do buraco, sob pena da autoridade ser responsabilizada civil e criminalmente, caso ocorra qualquer acidente. A notificação pode e deve ser dirigida, conforme o caso, também, ao prefeito, governador ou presidente da República, por cartório de títulos e documentos, ou pela via mais barata do correio, com AR”. As ações contra o poder público têm que ser movidas diretamente na Justiça, não importando o valor da causa, já que não é possível recorrer aos juizados especiais. Normalmente são muito demoradas, porque os prazos para o Estado são sempre contados em dobro ou em triplo. Mas é a única maneira de se exercer a cidadania.

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