Responsabilidade Objetiva das Concessionárias de Rodovia: os Dois Lados da Mesma Moeda

Como de conhecimento, o dever de indenizar é caracterizado pela presença dos seguintes requisitos: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e, por fim, culpa.

Por sua vez, a responsabilidade civil objetiva é aquela que independe de culpa ou dolo de quem pratica a ação e está inserida em diversas atividades que envolvem riscos, como é o caso das Concessionárias de Rodovia.

Entretanto, no tocante aos acidentes que envolvem usuários que trafegam por rodovias, é necessário analisar, caso a caso, a responsabilidade das Concessionárias prestadoras de um serviço público perante terceiros, sendo controvertido, a depender do caso concreto, o dever ou não de ressarcimento dos prejuízos ocasionados.

Dito isso, necessário expor duas situações em que a responsabilidade objetiva é tratada, conforme entendimento jurisprudencial, de forma completamente distinta.

Há muito se discute a responsabilidade civil das concessionárias de rodovias em acidentes causados por animais na pista.

Nesse panorama, saliente-se, de plano, que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou para julgamento sob o rito dos repetitivos o Recurso Especial nº 1.908.738, tendo a controvérsia sido cadastrada como Tema 1.122.

As questões submetidas a julgamento são: “(a) responsabilidade (ou não) das concessionárias de rodovia por acidente de trânsito causado por animal doméstico na pista de rolamento; (b) caráter objetivo ou subjetivo dessa responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões”.

Atualmente, a jurisprudência majoritária indica que, demonstrado o nexo de causalidade entre o choque do veículo com o animal na pista de rodagem e os danos do automóvel, estaria, em tese, caracterizada a falha na prestação de serviços da concessionária.

Esse entendimento considera que a invasão da pista por animais está inserida no risco da atividade econômica desenvolvida pelas concessionárias, afastando-se a responsabilidade de terceiros, a culpa exclusiva da vítima (art. 14, § 3º, II, do CDC), ou, ainda, o caso fortuito ou força maior.

O referido entendimento se ampara, principalmente, nos contratos firmados entre o ente público e as concessionárias, que é o instrumento pelo qual se formaliza a concessão do serviço público e que compreende os serviços de recuperação, manutenção, monitoração, conservação, operação, ampliação, melhorias e exploração do Lote Rodoviário.

Se consta do Termo de Contrato de Concessão Rodoviária que a concessão compreende a exploração da rodovia, mediante cobrança de pedágio, nela incluídos os serviços acima mencionados, prevista está a varredura constante das pistas, dos acostamentos e das faixas de segurança, com a retirada de elementos inconvenientes, tais como areia, pedras, fragmentos de pneus, detritos orgânicos (animais acidentados, vegetação, etc.) e quaisquer outros lesivos à segurança dos usuários.

Contudo, em que pese a previsão contratual – inserida em grande parte dos contratos de concessão, senão todos –, merece destaque o fato de que as cercas construídas pelas concessionárias de rodovia não possuírem a finalidade de preservar ou evitar a fuga do animal. Muito pelo contrário. No caso de atividades agropecuárias, cabe ao proprietário ou criador promover o reforço e manutenção das cercas.

Sob esse enfoque, sabe-se que a responsabilidade por fato de animais é regulada pelo artigo 936 do Código Civil, segundo o qual “o dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior”.

Nestes casos, o dono ou detentor do animal somente exonerar-se-á da responsabilidade se provar um dos fatos descritos na lei.

Como dito alhures, a legislação civil vigente atribui ao proprietário dos animais a responsabilidade objetiva de arcar com o custeio das construções necessárias a impedir a passagem destes a outros terrenos, conforme emana do art. 1.297, § 3º, bem como responsabiliza o proprietário pelos danos causados por estes. E é aí que reside a controvérsia, pois caso imputada a responsabilidade objetiva à concessionária, nada impedirá o seu direito de regresso contra o responsável pelo animal que causou o acidente, acaso ele seja identificado.

Fato é que, ainda que a responsabilização das concessionárias seja o posicionamento majoritário dos Tribunais, o tema é de fato controverso e, portanto, uma análise pormenorizada deverá ser feita para o caso concreto. Repita-se. A possibilidade de surgimento de animais na pista está inserida no risco do negócio, mas, a depender do caso, a reponsabilidade deverá ser afastada, como por exemplo, a responsabilidade de terceiros ou culpa exclusiva da vítima (artigo 14, § 3º, II, do CDC).

Sob outro prisma, aborda-se, agora, a responsabilidade pelos assaltos cometidos em filas de pedágio. É dever das Concessionárias ressarcirem os danos eventualmente suportados pelos usuários que trafegam na rodovia.

Assim como ocorre nos casos de acidente que envolvem animais, as Concessionárias prestadoras de serviço público em delegação sujeitam-se ao regime de responsabilidade civil da Administração Pública e, portanto, respondem, conforme entendimento dos Tribunais, objetivamente, nos termos do art. 37, §6º, da CF/88, tendo em vista a teoria do risco administrativo.

Todavia, assaltos cometidos em filas de pedágio, são considerados eventualidades de fato de terceiro, que configuram fortuito externo e, consequentemente, exclui-se a responsabilidade civil.

Em suma, quando a conduta praticada por terceiro não apresenta qualquer relação com a organização do negócio ou com a atividade desenvolvida pela empresa, admite-se que o fato de terceiro foi a causa única do dano e, portanto, considera-se que houve o rompimento do nexo causal.

Nestes casos, a interpretação da norma constitucional deve ser feita “cum grano salis” (“com um pé atrás”), pois se trata de circunstância que exclui a responsabilidade civil objetiva, ante o rompimento do nexo causal.

Como dito anteriormente, a segurança propiciada pelas concessionárias aos usuários, corresponde ao bom estado de conservação e sinalização da rodovia. Sem embargo, não tem como as concessionárias se responsabilizarem pela segurança privada ao longo da estrada, mesmo que seja em postos de pedágio ou de atendimento ao usuário.

Sob esse enfoque, necessário esclarecer que, o roubo com emprego de arma de fogo é considerado um fato de terceiro análogo a força maior e, consequentemente, exclui o dever de indenizar. Trata-se de fato inevitável e incontrolável e, portanto, gera uma incerteza absoluta de não ocorrência do dano.

Oportuno ressaltar, uma vez mais, que embora seja o tema controverso, a responsabilidade objetiva das concessionárias por danos sofridos por seus usuários é o entendimento adotado pelos Tribunais. Não obstante, a ocorrência de roubo, com emprego de arma de fogo, é evento capaz e suficiente para romper com a existência de nexo causal, afastando-se, assim, a responsabilidade das empresas.

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado de que as concessionárias não têm responsabilidade civil diante do crime de roubo com emprego de arma de fogo cometido na fila de pedágio.

O Ministro Marco Aurélio Bellizze, no julgamento do RECURSO ESPECIAL 1872260/SP (2019/0371145-7), observou que a jurisprudência pacificou o entendimento de que concessionária que administra rodovia mantém relação de consumo com os respectivos usuários – portanto, sua responsabilidade é objetiva.

Apesar disso, segundo o Ministro, caso fique comprovada a existência de alguma das hipóteses de exclusão do nexo causal – culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior –, a responsabilidade da concessionária de serviço público será afastada.

Igualmente, concluiu o Ministro que “A causa do evento danoso – roubo com emprego de arma de fogo contra os autores – não apresenta qualquer conexão com a atividade desempenhada pela recorrente, estando fora dos riscos assumidos na concessão da rodovia, que diz respeito apenas à manutenção e à administração da estrada, sobretudo porque a segurança pública é dever do Estado”.

Infere-se, pois, que as concessionárias de rodovia não devem ser responsabilizadas por roubo com emprego de arma de fogo cometido contra seus usuários em posto de pedágio.

Ou seja, para arrematar e sintetizar a ideia de responsabilidade objetiva das concessionárias de rodovia, tem-se que esta prescinde de uma análise mais aprofundada, vez que, a depender do caso concreto, poderá a responsabilidade ser afastada.