Cobrar por uma assinatura que o consumidor não fez, utilizando-se de suas informações bancárias de forma engenhosa, para enganá-lo, é conduta ilícita que configura o dever de indenizar. O entendimento levou a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a negar apelação do jornal Pioneiro, de Caxias do Sul, condenado a reparar moralmente uma consumidora, ludibriada ao ‘‘aceitar’’ a promoção de assinantes ‘‘para experimentar’’. Após o fim da experiência, sem ser consultada, ela continuou recebendo o diário — com valor debitado em sua conta.
No primeiro grau, a juíza Romani Dalcin, da 2ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves, se convenceu que a parte autora não solicitou qualquer serviço. A conduta se revelou abusiva conforme o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que proíbe o envio de qualquer produto ao consumidor sem sua autorização.
Além disso, discorreu na sentença, o jornal não tem o direito de implementar contrato de prestação de serviços, inclusive com débito de valores em conta, após o fim do prazo de promoção. A seu ver, atribuir ao consumidor a responsabilidade pelo cancelamento de serviço — em caso de desinteresse pelo jornal — demonstra manobra ardilosa e abusiva, contrária a boa-fé negocial. Nesse ponto, a julgadora citou o artigo 37 do CDC que, em seu parágrafo 1º, deixa claro que é enganosa qualquer modalidade de informação capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Na percepção da juíza, embora a autora tenha autorizado o recebimento gratuito de exemplares por determinado período, acabou ludibriada em relação à conclusão da promoção. ‘‘Aqui, houve o incitamento da autora para que fornecesse seus dados bancários somente para fins de cobrança do custo do envio, restando ainda salientado pela atendente que não havia outra forma de pagamento, como boleto ou cartão. Ou seja, a ré utilizou o artifício de cobrança do custo de transporte dos exemplares durante a promoção no intuito de colhimento de dados de conta bancária da autora, que futuramente serviram para a efetivação de débito automático das mensalidades do jornal’’, elucidou.
Na corte, o desembargador-relator Marcelo Cezar Müller também viu má-fé, pois o réu ofereceu um produto e cobrou por outro não solicitado, aproveitando-se do fato de ter, em seu poder, os dados bancários da autora. Ele manteve a restituição dos valores pagos a mais e confirmou o quantum indenizatório por danos morais — fixado em R$ 2 mil. O acórdão foi lavrado, com entendimento unânime, na sessão do dia 30 de julho.
Ação indenizatória
Em 24 de julho de 2012, a autora foi contatada por telefone pelo setor de vendas de assinaturas do jornal Pioneiro, que circula em Caxias do Sul e nos demais municípios da Serra gaúcha. Foi-lhe oferecida uma promoção para recebimento dos exemplares de forma gratuita, durante o período de dois meses, para ‘‘experiência’’.
Durante o diálogo que manteve com a atendente, ela deixou claro que não tinha interesse na assinatura do jornal, principalmente pelo fato de não tratar de matérias e notícias relacionadas à região de sua residência, pois reside em Bento Gonçalves. Na mesma ligação, questionou expressamente a atendente sobre o período posterior à remessa de exemplares gratuitos.
A resposta, segundo áudio anexado aos autos, é a seguinte: “A gente vai entregar para a senhora por 37 dias, de segunda a sábado (…) Caso a senhora queira entrar em contato para autorizar a gente ancontinuar mandado o jornal, a gente continua. Caso a senhora não autorize, a gente não pode mandar nada, por que a senhora está constando conosco uma experiência. Não é fechado o contrato com a senhora, por isso que o valor é diferente”. A atendente se comprometeu a contatá-la após os 37 dias, para saber de seu interesse, mas não o fez.
Findo o prazo, mesmo sem autorização, ela continuou a receber diariamente o jornal em sua residência. Percebeu que, mensalmente, era debitado na sua conta o valor de R$ 41,90 sob a rubrica “débito automático Pioneiro”. Resolveu, então, contatar o jornal, a fim de suspender a cobrança — o que conseguiu, depois de muito insistir. Não recebeu, entretanto, os valores cobrados indevidamente.
Em face do ocorrido, a autora ajuizou Ação Declaratória de Inexistência de Débito cumulada com Indenização por Danos Morais e Materiais contra a empresa jornalística, protocolada na 2ª Vara Cível da Comarca de Bento Gonçalves.
A empresa apresentou contestação. Argumentou que a autora aceitou os termos da proposta, feita por telefone, ou seja, teria concordado em receber o diário pelo período de 37 dias, pagando o valor de R$ 0,97 o exemplar. Sustentou que o diálogo registrado no sistema de telemarketing revela autorização da consumidora, incluindo os dados bancários, para débito automático.
No diálogo, segundo a defesa da empresa, foi salientado que a regra da promoção obrigava a autora a entrar em contato com o jornal após o período de 37 dias. Assim, se não houvesse o cancelamento do jornal, o valor normal do custo do exemplar passaria a ser debitado em conta, mantendo-se o contrato por tempo indeterminado. Como procedeu ao pedido de cancelamento quando contatada pela consumidora, não se poderia falar em abusividade de conduta a dar margem a reparações.
Fonte: conjur.com.br