Zé Brasil nasceu pobre

Autor: Dídimo Paiva

 

Dois artigos publicados esta semana, nesta página de Opinião, podem ser
alçados a altura de retrato sincero do Brasil : Vamos votar sem medo (7/8) ,
do advogado e jurista católico Geraldo Magela Silva Freire, e poderia ser
diferente, do mestre Sasha Calmon (10/8) , professor titular de direito
tributário da UFMG . Geraldo diz que o “elitismo” quer repelir o candidato
que tem apenas nove dedos (um deles perdido na função de torneiro mecânico)
e só quer votar em candidato com diploma em riste.
Sasha fez um resumo dos quase oito anos de governo FHC e tem uma frase
lapidar: “Sem sorrir tem a cara triste do nosso fracasso “.

Pode até aparecer que os dois brilhantes colaboradores do Estado de Minas
são guerrilheiros contra um só governo. Não. Eles estão exibindo os erros
que praticamos ao longo dos séculos. Porque nossos governos – da Colônia,
Império, Monarquia e República – só trabalham para as elites. E quem os lê
(Geraldo e Sasha) sente o cheiro da caridade como o fez São Paulo, acima de
todas as virtudes.

A questão do Brasil não é só dos candidatos presidenciais e nem do
presidente findante. É de todos nós, de todas as classes sociais e idades.
Mais dos jovens, pois os homens e mulheres maduros já começam a temer a
velhice. O que irrita é que, sob o manto maltrapilho de uma democracia que
só funciona em dia de eleição – depois o eleito expulsa o eleitor – , temos
visto a imensa maioria da população abandonada a sua própria sorte.
No inicio do século passado, Monteiro Lobato perguntava: “Quem se incomoda
com o pobre Zé Brasil? O mundo é dos ricos, e Zé Brasil nasceu pobre”. Em
sua obra, que os críticos e resenhistas dos suplementos literários/culturais
ignoram o livro ninguém é culpado – Um novo paradigma para o Brasil –
Armazém de Idéias, BH, 2000), no qual o pesquisador  e escritor Francisco
Ozeas opina: “o que ocorre é perpetuação da mentalidade colonial herdada da
monarquia e, agora, herdada da república.” E, antes mesmo dos experts made
in USA, Ozeas  já denunciava o surgimento do turbocapitalismo, fundado na
ânsia de enriquecimento à custa da miséria global.

A Nova República foi uma farsa: manteve o voto, Parlamento aberto e
tribunais funcionando sob controle. Vieram em seguida os governos de Collor
(completado por Itamar) e de FHC (1995 a 2003), que mantiveram intocadas as
estruturas. O Brasil virou refém do regime rentista (The Rentieer’s Regime,
ou seja, um regime de governo pelos e para os capitalistas, donos de
riquezas que tiram suas rendas do retorno do capital). Só o Brasil? Todas as
grandes potências estão mergulhadas nesse lodaçal da especulação. A dívida
italiana é de 125% de sua produção econômica; a da Bélgica,132%; dos Estados
Unidos, beirando 80%; da Suécia, 95%.

Se um governo resiste, sofrendo a especulação internacional, como o Brasil
dos dias atuais, se aceita as regras do FMI, embarca no empobrecimento
avassalador. Bem que Joseph Stiglitz caiu fora do Banco Mundial e pôs a boca
no trombone. E seu sucessor, Nicholas Stern, disse em maio no Brasil:
“Globalização é carga mortífera. Competir só para quem pode”. Muitos dizem
que a única saída seria um novo Bretton Woods sem ortodoxia, que o segundo
Bush militarizou, a pretexto de destruir a nova ameaça comunista, ”o
terrorismo muçulmano”.

Dia 6 de outubro próximo, viveremos uma nova rotina política eleitoral que
não basta para restaurar a dignidade do ser humano. Só o voto no dia da
eleição não trará o regime em que os ricos não esmaguem os pobres e os
fortes não tripudiem sobre os fracos. Esta lição eu reli ontem no manifesto
Nós, os cristãos e o mundo, que surgiu em Minas no início dos anos 60,
assinado, entre outros, por Hebert José de Souza, Antônio de Faria Lopes,
Vicente Aquino Figueiredo Sampaio, Arthur de Almeida Diniz, Vinícius
Caldeira Brant, Paulo Haddad, Cássio Gonçalves, José de Anchieta Corrêa,
quando fundaram o núcleo da Ação Popular. Ou será que iremos, muito em
breve, confirmar o que disse Lima Barreto: “O país é rico, tem todos os
minerais, todas as condições de riqueza, mas vive na miséria”.

Até quando nós deixaremos iludir por partidos, magistrados, políticos,
presidentes, governadores, donos do dinheiro, universidades comerciais,
intelectuais descompromissados, que ajudam a escrever “a história do andar
de cima, “como diz Gaspari? Só repetindo Berthold Brecht: “Quem construiu
Tebas, a das sete portas? /No livro vem o nome dos reis/ No dia em que ficou
pronta a muralha da China, para onde foram os seus pedreiros?/Até a
legendária Atlântica, na noite em que o mar a engoliu/ viu afogados gritarem
por seus escravos.”

(artigo publicado no jornal ESTADO DE MINAS de 11 de agosto de 2002 –
Opinião p. 9)