Não é notícia o fato de as cartas de ordem de cessação (cease-and-desist) de violação de marcas comerciais, escritas pelos advogados americanos, sejam hostis. É o normal. Mas, vez ou outra, uma carta se torna notícia por ser excessivamente hostil. Ou mesmo rude.
No entanto, uma carta do gênero se tornou “viral” na Internet nesta semana (isto é, se espalhou como um vírus pela rede), e ganhou os noticiários, por ser extremamente gentil e educada, na opinião dos americanos. “Provavelmente é a carta de ordem de cessação mais cortês, encorajadora e simpática da história da advocacia americana”, comentou o Jornal da ABA (American Bar Association).
Aparentemente deu certo. A carta foi escrita por Christy Susman, advogada de marcas registradas da destilaria do uísque Jack Daniels, e enviada por e-mail ao escritor Patrick Wensink. Em fevereiro, a editora Lazy Fascist Press (Editora Fascistas Preguiçosos) publicou o livro “Broken Piano for President” (Piano Quebrado para Presidente), de autoria de Wensink, com uma capa supostamente danosa para a marca Jack Daniel’s. A capa é uma imitação bem aproximada do rótulo do uísque de Tennessee. Praticamente uma cópia do rótulo, com texto adaptado para o livro. O texto da carta diz:
“Prezado Sr. Wensink:
Sou advogada da Jack Daniel’s Properties, Inc. (“JDPI”) na Califórnia. A JDPI é proprietária das marcas comerciais da Jack Daniel’s, que vem sendo usada extensivamente e por muitos anos em conexão com o nosso famoso uísque do Tennessee e com uma ampla variedade de produtos para o consumidor.
Recentemente chegou a nosso conhecimento que a capa de seu livro ‘Broken Piano for President’ exibe um design que imita, bem aproximadamente, o estilo e os elementos distintivos das marcas comerciais da Jack Daniels. Uma imagem da capa está estampada abaixo para facilidade de referência.
Estamos certamente lisonjeados por sua afeição pela marca, mas embora possamos apreciar o apelo que o Jack Daniel’s exerce na cultura popular, também temos de ser diligentes, para assegurar que as marcas comerciais da Jack Daniel’s sejam usadas corretamente. Em vista da popularidade da marca, provavelmente não chega a ser uma surpresa o fato de encontrarmos designs como esse regularmente. O que pode não ser tão aparente, no entanto, é que, se permitirmos uso como esse, corremos o risco bem real de ver nossa marca comercial enfraquecida. Como você é um fã da marca, tenho certeza de que isso não é o que pretendeu fazer ou que queria ver acontecer.
Na condição de escritor, você pode certamente entender nossa posição e a necessidade de contatá-lo. Você pode ter tido problemas semelhantes com suas próprias propriedades intelectuais.
Para resolver esse assunto, porque você é um ‘vizinho’ de Lousville e um fã da marca, simplesmente solicitamos que troque o design da capa, quando o livro for reimpresso. Se você quiser trocar o design antes mesmo da reimpressão (incluindo o da versão digital), gostaríamos de contribuir com uma quantia razoável para a cobertura dos custos para fazê-lo. Ao tomar essa providência, você vai nos ajudar a assegurar que a marca Jack Daniel’s vai significar tanto para as futuras gerações como significa hoje.
Desejamos-lhe um sucesso continuado com sua produção literária e esperamos receber uma resposta tão logo lhe seja conveniente. Uma resposta até 23 de julho de 2012 seria muito apreciada, se possível. Enquanto isso, se tiver qualquer pergunta ou preocupação, não hesite em me contatar.”
O Jornal da ABA não conseguiu contatar o escritor. Mas Patrick Wensink publicou a carta em seu website, onde declara que não vai aceitar a oferta porque ele e a editora, “orgulhosamente independentes, não precisam de qualquer dinheiro corporativo alcoolizado para refazer a capa”. Afirma, entretanto que quem comprou o livro teve sorte, porque em breve sua “criatura vai ser um item de colecionador”. E alerta que a Amazon ainda tem algumas cópias para vender, “para quem quiser comprar rapidamente”.
A advogada também não estava disponível, diz o jornal, mas seu chefe, o advogado David Gooder, informou que o estilo da carta se conforma ao pensamento da empresa: “Sempre acreditamos que uma abordagem com cortesia faz com que as coisas se resolvam mais rapidamente”, declarou. “Me parece que a carta foi positiva para Wensink, para seu livro e também para nós”, completou. A advocacia sintonizada com o marketing aparentemente produziu bons resultados. Segundo Gooder, ele e Christy foram contatados por um grupo de marketing interessado em fazer um estudo de caso.
Fonte: Texto escrito por João Ozorio de Melo, correspondente da Revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos – publicação do dia 28 de julho de 2012.
A postura da SILVA FREIRE ADVOGADOS também é pelo caminho da conciliação. Uma notificação extrajudicial bem educada certamente é o primeiro passo para um acordo. Gentileza gera gentileza.