Num país em que diariamente são relatados inúmeros casos de violência sexual e psicológica contra a mulher, o Judiciário não pode coadunar com atos dessa natureza. Com essa reflexão, a juíza Érica Aparecida Pires Bessa, da 5ª Vara do Trabalho de Contagem, condenou uma rede de supermercados a pagar R$30 mil a título de indenização por dano moral a uma repositora que sofreu o que a magistrada chamou de “ato ilícito de natureza sexual” por parte de um gerente, seu superior hierárquico.
A julgadora se convenceu pela prova oral de que houve desrespeito à intimidade e ao corpo da trabalhadora. Nesse sentido, destacou que uma testemunha confirmou ter visto o chefe abraçando-a por trás e apalpando-lhe o seio. Segundo apontado, diante do repúdio demonstrado pela colega, o chefe a chamou de “lixo”. Por sua vez, a própria trabalhadora narrou, em depoimento, que o chefe a perseguia, abraçava por trás, elogiava seus seios e a constrangia diante da sua negativa às investidas. Ao responder que precisava trabalhar para sustentar os seus filhos e não para se prostituir, segundo contou, o superior hierárquico a chamou de “lésbica” e disse que queria “lhe fazer mulher”.
A juíza acreditou na versão apresentada, explicando que o encargo probatório da vítima do assédio sexual deve atentar para o princípio da máxima efetividade, quando houver indícios da violação de direitos da personalidade. Isto a fim de não se exigir a produção de prova impossível.
Ainda conforme ponderou na sentença, normalmente o assédio ocorre de forma velada, longe dos olhos de testemunhas. Desse modo, o assediador se torna ainda mais poderoso e imune à penalidades. No caso, não bastasse o relato da repositora, ficou demonstrado que as investidas do superior hierárquico aconteciam diante dos olhos de terceiros. Para a julgadora, uma conduta que reforça ainda mais sua convicção sobre a ocorrência dos fatos relatados.
“O assédio sexual pode ser conceituado como conduta reiterada de natureza sexual não desejada. Quando praticada no ambiente de trabalho é ainda mais danosa por envolver a subordinação inerente ao contrato de trabalho. Tanto que o Direito Penal tipificou o assédio no âmbito da relação trabalhista como a conduta de constranger alguém, prevalecendo-se de sua condição de superior hierárquico, com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual (art. 216-A do Código Penal)”, registrou. A julgadora definiu, segundo a doutrina, o chamado “assédio por chantagem”, que é “quando o agressor comete abuso de autoridade ao exigir favores sexuais sob pena de perda de benefícios e o assédio por intimidação caracterizado pelas incitações sexuais inoportunas cujo efeito é hostilizar a vítima prejudicando a sua atuação”.
Na visão da juíza sentenciante, é evidente que os fatos apurados abalaram psicologicamente a trabalhadora, sendo bastante provável que o afastamento previdenciário por transtornos psiquiátricos tenha decorrido do assédio. Conforme ponderou, esse fato não pode ser considerado sem importância, principalmente por representar, em muitos casos, a porta de acesso para violações mais graves e violentas ao direito à intimidade da mulher.
Nesse contexto, condenou a rede de supermercados ao pagamento de indenização por assédio sexual no valor de R$30 mil. Considerando gravíssima a conduta cometida pelo patrão, a magistrada também acolheu o pedido de reconhecimento da rescisão indireta e declarou extinto o contrato de trabalho da reclamante, nos termos do artigo 483, e da CLT (“praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele [o empregado] ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama”). Como consequência, o supermercado foi condenado a pagar verbas e cumprir obrigações pertinentes à dispensa sem justa causa. Houve recurso, mas a decisão foi mantida pelo TRT de Minas.
Fonte: www.jusbrasil.com.br