Conheça mais sobre o Instituto de Estudos Empresariais – IEE, nesta excelente reportagem da EXAME, que conta a história do instituto do qual já fez parte nosso Diretor Jurídico, Dr. Luis Felipe Silva Freire, ex-associado e ex-Diretor em Belo Horizonte.

Os fundamentalistas do liberalismo

Conheça o instituto gaúcho que prepara jovens empresários para ser seguidores fervorosos da doutrina liberal

Todas as noites de segunda-feira, um grupo de cerca de 40 jovens — sócios ou herdeiros de algumas das maiores empresas do Rio Grande do Sul — reúne-se no restaurante do Ritter Hotel, um prédio antigo e pouco charmoso encravado no centro de Porto Alegre. Lá, dispostos em mesas que formam um semicírculo, homens engravatados e mulheres vestidas elegantemente passam cerca de 3 horas sendo doutrinados sob os princípios do liberalismo. Os sócios do Instituto de Estudos Empresariais, mais conhecido como IEE, formam uma espécie de brigada fundamentalista, cuja missão é assimilar e disseminar as crenças na mais pura economia de mercado, na supremacia do privado sobre o público, no chamado Estado mínimo.

Como em outros grupos com credos enraizados, os jovens membros do IEE, todos com idade inferior a 35 anos, orgulham-se de seus dogmas. Alguns defendem publicamente que os governos devem se ater exclusivamente ao provimento de segurança e justiça aos cidadãos. Outros pregam o fim do Banco Central e a livre escolha da moeda corrente. Todos garantem que, de qualquer ponto de vista, ações encampadas pela iniciativa privada trarão melhores resultados do que se lideradas pelo governo. Guardadas todas as diferenças — ideológicas e de método de atuação –, eles são uma espécie de MST do liberalismo, na versão legalizada, registrada, com razão social e sede conhecida. “O que nos move é a oportunidade de fazer história, de fazer acontecer”, diz Leandro Gostisa, 27 anos, sócio e gestor de negócios da Methode Ikro South America, fabricante de componentes automotivos e vice-presidente do IEE. “Nossa causa é formar líderes virtuosos que conduzirão empresas e governos melhores.”

A disciplina e o senso de comunidade talvez sejam as principais marcas do grupo. Apenas empresários ou herdeiros em fase de formação podem fazer parte dele. Como num clube fechado, ninguém entra sem o convite e o aval de um sócio atual. O postulante passa, então, por um período de experiência de três a seis meses, quando são avaliados sua dedicação à causa e o interesse. Com seu caráter exclusivista, o IEE poderia se restringir a esse grupo de discussões às segundas-feiras. Não foi o que aconteceu. O instituto foi criado em 1984, a partir da idéia do empresário William Ling, presidente da Petropar, fabricante de embalagens e não-tecidos de polipropileno. “Na época, o discurso dos dirigentes das entidades do empresariado era ultrapassado”, diz Ling. “Enquanto as privatizações aconteciam na Inglaterra e o mundo falava em liberalismo econômico, o discurso aqui vigente era contra a livre- iniciativa, estatista e protecionista.” Desde então, o IEE vem conseguindo exercer um poder de influência sobre os negócios e a sociedade gaúcha jamais visto em outras regiões do Brasil. Nos últimos 20 anos, mais de 300 empresários já passaram por suas fileiras. Entre os patrocinadores de seus eventos estão algumas das maiores empresas brasileiras, como o grupo Ipiranga, do setor de petróleo e petroquímico, a Vonpar, engarrafadora da Coca-Cola na Região Sul, a Lojas Renner e a Springer Carrier. Um dos grandes entusiastas da existência do IEE é Jorge Gerdau Johannpeter, dono do maior grupo siderúrgico das Américas. (Filhos e sobrinhos de Gerdau integram ou já integraram o instituto. André, visto como um de seus potenciais sucessores no comando do grupo, permanece como sócio honorário da entidade.)

Desde 1986, o IEE promove o Fórum da Liberdade, uma tentativa de fortalecer os preceitos liberais na mesma cidade que abrigou por quatro anos o Fórum Social Mundial, a meca dos militantes de esquerda e amalucados de toda sorte. Graças às redes de relacionamentos construídas, seus sócios já conseguiram levar a Porto Alegre três ganhadores do Prêmio Nobel de Economia, ministros de Estado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o atual ocupante do posto, Luiz Inácio Lula da Silva. Políticos de todas as vertentes já subiram ao palco do fórum — já que, embora não concordem com uma vírgula do que esquerdistas dizem, os jovens do IEE pregam a liberdade de expressão como um dos maiores valores da sociedade liberal. O Fórum da Liberdade já reuniu 6 000 pessoas. “O evento é uma forma de verificar se nossas idéias têm eco na sociedade”, diz Lars Knorr, 34 anos, atual presidente do instituto e sócio de uma construtora.

Em dezembro de 2004, como parte das comemorações das duas décadas de existência do grupo, os diretores do IEE promoveram uma palestra com o brasileiro Carlos Ghosn, presidente da montadora japonesa Nissan e, nos próximos meses, também da francesa Renault, um dos mais celebrados executivos do mundo. Ghosn saiu com a mulher e os três filhos de Tóquio e viajou para Porto Alegre especialmente para participar do evento, ocorrido na casa de Paulo Uebel, 25 anos, diretor do instituto e sócio de uma banca de advogados. “Jovens empresários se juntando para analisar situações e fazer propostas é algo raro e deve ser incentivado”, disse Ghosn a EXAME, na ocasião.

Mais do que a catequese nos princípios do liberalismo e a melhoria da qualidade gerencial dos participantes do grupo, os líderes do IEE esperam que seus discípulos defendam — permanentemente — a causa em associações de classe, entidades empresariais, sindicatos e, se possível, no próprio governo. “Há muitas lideranças do IEE infiltradas nas entidades, buscando espaço para as idéias liberais”, diz o empresário Paulo Afonso Feijó, 47 anos, sócio e presidente da Mercador.com, empresa do grupo Telefônica especializada em serviços para o setor de varejo. Sócio honorário do IEE, Feijó é também presidente da Federasul, entidade que reúne as associações comerciais do Rio Grande do Sul. Feijó é considerado um dos mais entusiasmados defensores da iniciativa privada e costuma protagonizar inflamadas discussões com seus opositores de idéias.

Em maio de 2002, já como presidente da Federasul, recebeu o então candidato petista à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado pelo então governador gaúcho Olívio Dutra para uma palestra aos associados. Na ocasião, Dutra foi metralhado pelo anfitrião por ter perdido a fábrica da Ford para o governo baiano. Olívio saiu da sede da federação sob as vaias da audiência.

A formação dos quadros da entidade dura, no máximo, cinco anos. Durante esse período, o sócio tem de participar das reuniões semanais e seguir uma bibliografia recomendada — toda ela formada, obviamente, por libelos do liberalismo. Entre os títulos estão O Que É Liberalismo, do empresário brasileiro Donald Stewart Jr., O Caminho da Servidão, do economista austríaco F.A. Hayek, e Quem É John Galt, um romance policial de mis tério da escritora e filósofa russa Ayn Rand, cuja mensagem é a defesa da liberdade. É preciso estudar todos os temas discutidos, debater com convidados, participar dos eventos e coordenar grupos de estudo.

Entre as várias regras que os militantes precisam seguir, há uma fundamental — ninguém, nem mesmo o presidente, está autorizado a falar em nome do instituto. Apesar de seguir certos princípios incontestáveis — como a defesa incondicional do direito à propriedade –, os inte grantes costumam ter opiniões diferentes sobre certos assuntos polêmicos, como a existência de um Banco Central e os limites de atuação do Estado. “O único papel do governo que se pode aceitar é a manutenção de um Exército para defender o Estado de Direito”, diz, por exemplo, Gustavo Bücker de Souza, um advogado de 29 anos. “O Banco Central é completamente dispensável”, diz o sócio honorário André Burger, 43 anos, da CRP Participações, administradora de capital de risco. “Seria melhor se vários bancos concorressem entre si, gerenciando suas próprias moedas. As pessoas escolheriam a moeda com que querem negociar.”

Uma das atividades anuais mais impor tantes do IEE são júris simulados sobre esses temas polêmicos. Cada grupo se prepara para defender uma posição em debates. É um exercício para que os sócios aprendam a defender suas idéias com conteúdo e convicção. No final, todos votam, com base no que ouviram dos colegas. Os sócios já votaram, entre outras coisas, a favor da liberalização das drogas (apesar de pregarem a abstinência) e contra a existência do salário mínimo. Saber debater com conteúdo é uma das seis habilidades que o sócio do IEE precisa desenvolver durante seu período de formação. Elas compõem o que a entidade denomina de hexágono da liderança. Cuidar do corpo, cultivar amizades influentes e desenvolver agilidade nas decisões e na ação estão entre os preceitos a ser seguidos.

Hoje, o grande desafio dos militantes do IEE é espalhar a causa para além dos limites do Rio Grande do Sul. Em meados dos anos 90, Ling percorreu o Brasil fazendo reuniões e seminários sobre o instituto gaúcho. “Tentamos replicar o trabalho em outros estados, mas não tivemos êxito”, diz. Para isso, eles contam com a propaganda de algumas das estrelas que circularam pelos Fóruns da Liberdade. “Visitei muitos países e institutos. O IEE tem qualificação realmente elevada. Fiquei impressionado com o trabalho desenvolvido”, diz o prêmio Nobel de Economia James Buchanan, que esteve no Fórum da Liberdade em 1993. Gary Becker, outro Nobel a comparecer ao evento, diz ter a mesma sensação. “O IEE é importante para promover conhecimento”, afirma ele. “Particularmente mostrando quão bom é o mercado na promoção da liberdade nos campos econômico, cultural e político.”

 

O que os sócios dizem
Algumas das teses sobre o papel do Estado defendidas por integrantes do IEE
  • O único papel que cabe ao Estado é a manutenção do Exército para garantir a segurança nacional
  • O Banco Central é dispensável. Os bancos privados poderiam gerenciar suas próprias moedas.A escolha de qual delas usar seria do cidadão
  • Sob qualquer circunstância, a gestão da iniciativa privada é mais eficiente e tem custo menor do que a da administração pública
  • A CLT deveria ser abolida. O trabalhador é mais protegido pelo mercado do que pelas leis
  • Saúde e educação deveriam estar sob a responsabilidade de empresas, e não do poder público
  • O salário mínimo não deveria existir. A remuneração seria definida pelo mercado
  • Não há espaço para estatais de nenhum tipo
  • O presidente da República não deveria indicar o ministro do Supremo.A Justiça deve ser um poder totalmente independente
  • Os projetos sociais deveriam ser tocados exclusivamente pela iniciativa privada, já que os custos envolvidos são menores e a eficiência é maior

 

Prêmios Nobel no IEE
Três economistas premiados já deram palestras aos sócios do IEE. São eles:
Gary S. Becker 
Americano, premiado em 1992 por suas teorias aplicadas aos relacionamentos familiares, acordos pré-nupciais, bemestar social e crimes
James M. Buchanan 
Americano, recebeu o prêmio em 1986 por desenvolver a teoria da escolha pública para as tomadas de decisões políticas e econômicas
James Heckman 
Americano, ganhou o Nobel em 2000 por suas teorias e seus métodos utilizados em análises estatísticas de comportamento, tanto individual quanto familiar