Gustavo Americano Freire
No ano de 1979, época de transição do regime militar para o regime democrático, foi editada a Lei n. 6.683/1979, conhecida como a “Lei de Anistia”, que se propôs a “esquecer” os crimes políticos e conexos cometidos no Brasil entre os anos de 1961 e 1979.
Tendo em vista a promulgação da referida lei [Lei n. 6.683/1979], a República Federativa do Brasil não investigou e não puniu aquelas pessoas que cometeram crimes políticos e conexos durante o regime militar, ressaltando que tais crimes configuram graves violações aos Direitos Humanos.
Após a promulgação da lei em questão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) propôs uma medida judicial denominada de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental [ADPF n. 153], na qual questionou a validade da Lei de Anistia perante a Constituição Federal sob o fundamento de que tal diploma seria inconstitucional por ter, indevidamente, estendido aos crimes não políticos (chamados de crimes conexos) a anistia concedida aos delitos políticos.
Porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que, em cotejo com a Constituição Federal, a Lei de Anistia era válida, ao fundamentando que o diploma legal mencionado “traduziu uma decisão política do povo brasileiro naquele momento histórico de transição, a qual não poderia ser revista anos depois por via de interpretação judicial” (BARRETO, 2013, p. 238).
Ocorre que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) possui firme entendimento de considerar inválidas as leis de anistias, tendo em vista que tais diplomas legais violam o dever do Estado de investigar, julgar e sancionar os responsáveis por crimes que configuram violação dos Direitos Humanos.
Vale salientar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos utiliza como parâmetro a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e o Protocolo de São Salvador. Lado outro, o Supremo Tribunal Federal utiliza como parâmetro a Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988.
Sendo assim, pode-se afirmar que, apesar do STF ter considerado a Lei de Anistia constitucional, perante os parâmetros da Corte Interamericana de Direitos Humanos ela é “inconvencional”; em uma situação típica de transconstitucionalismo, pode-se dizer que, por ser imprescritível a pretensão de respeito aos Direitos Humanos, a CIDH poderá, caso provocada, pronunciar-se sobre a incompatibilidade da Lei n. 6.683/1979 com as obrigações internacionais assumidas pelo Brasil e adotar as providências cabíveis, que certamente não serão favoráveis ao Estado Brasileiro.
Gustavo Americano Freire é advogado, sócio da Silva Freire Advogados, pós-graduado em Ciências Penais pela Escola Superior do Ministério Público e membro da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB/MG.