A globalização deve ser direcionada

Artigo publicado em 08/07/2003

Jornal Estado de Minas

Autor: Dr. Geraldo Magela S. Freire – OAB/MG 15.748

 

      A GLOBALIZAÇÃO DEVE SER DIRECIONADA

 

Geraldo Magela S. Freire

Advogado

Tudo que é novidade nos amedronta, custa ser digerida, porque abala nossos alicerces. Esquecemo-nos de que o mundo está em permanente expansão há 15 bilhões de anos. Por isso Pierre Teilhard de Chardin concluiu que o homem não foi feito à imagem e semelhança de Deus, mas para ser sua imagem e semelhança. E isso só vai acontecer quando o amor a Deus e ao próximo se concretizar nos nossos corações. Assim aconteceu também com a “Teologia da Libertação”, adotada hoje em várias confissões religiosas mundo afora. Frei Leonardo Boff, teólogo e filosofo, vem há muito profetizando, como um de seus formuladores, que ela vê uma realidade histórico-social na ótica das vítimas, iluminada pela fé cristã, objetivando uma prática transformadora, a fim de construir uma sociedade mais justa e fraterna, resgatando os pobres e oprimidos pela falta de comida, escola, moradia, emprego e outras necessidades básicas. Não é essa a mensagem de Jesus Cristo?

A globalização também nos mete medo e está impondo um certo conformismo social, especialmente na área trabalhista, diante da ameaça de desemprego. Mas veio para ficar. E deve ser direcionada para os interesses dos brasileiros, especialmente dos despossuídos do País, e centrada no humanismo, protegendo a dignidade humana e pretendendo a construção de justiça social. Boff, sustenta que ela se insere nessa transformação evolutiva permanente e inexorável. Diz que, já no século XVI a cultura européia rompeu todas as fronteiras, quando Fernão de Magalhães fez a volta da terra, criando o projeto-mundo, ocidentalizando o mundo na violência, sendo exemplos evidentes a invasão do México, do Peru, da África e o Oriente, destruindo tudo, na chamada idade de ferro da globalização. Agora, ela está acelerada e diversificada e envolve todos os segmentos. Porque,  “Depois da mídia a humanidade nunca será a mesma…Não haverá uma arca de Noé que salve alguns e deixe perecer os demais.” (Globalização: Desafios socioeconômicos, éticos e educativos, Vozes, p. 25 e ss, 2000”.

Mas anota que ela é presentemente anti-social, fazendo-se com grande exclusão de países e massas humanas, porque esqueceram que o homem é terra que caminha, que pensa, que fala e ama. E adverte: “A teologia (de libertação ou não) vê o processo de globalização como um sinal a ser interpretado” e que, “para as pessoas de fé, é sinal dos desígnios de Deus”, porque “permite ao homem realizar sua vocação essencial.” Portanto, é preciso trocar o sentido da economia, direcionando-a para a produção social, atingindo a todos.  E sem imposição de valores políticos e culturais do Ocidente, mas, ao contrário, “respeitando as várias formas de organização social e política, embasadas nas respectivas culturas”. A libertação não é somente para os pobres, mas para todos. Assim, o cristianismo não pode ser de dominação, mas de libertação, útil à globalização que busca convergências na diversidade econômica, política, cultural e religiosa.

Marcos Arruda, co-autor do livro, diz que “O contraponto desta reflexão é a proposta de uma outra globalização, centrada no ser humano e fundada numa ética da responsabilidade, da cooperação e da solidariedade” (ib. 35).

Outra revolução foram os Juizados Especiais, democratizando a Justiça. Foi a maior na área jurídica, como já anotou o jovem o promissor Juiz André Leite Praça, porque a Justiça abriu-se para os mais sofridos. Como o binômio de Justiça ágil e acessível ao menos afortunado nunca foi atingido, veio outra revolução na seara jurídica com a antecipação da tutela jurisdicional, quando o Juiz pode antecipar o direito material, presentes determinados requisitos legais, embora não esteja sendo aplicada corretamente, por excessiva cautela. Se um Juiz, altamente preparado, não puder antecipar os efeitos da sentença diante de uma postulação fundamentada e com sua contrariedade pela outra parte, nenhuma outra lei conseguirá mudar nada e só restará ao cidadão continuar a esperar anos e mais anos para o trânsito em julgado da sentença.

O Código de Defesa do Consumidor, outra revolução, trouxe uma nova forma de fazer justiça, porque dispensa a figura da culpa, e só exime de responsabilidade o fornecedor se ele provar que não colocou o produto no mercado, o defeito inexiste ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro. Sua filosofia central é transferir os custos sociais da produção em massa para o fornecedor de produtos e serviços, que indeniza o consumidor vítima e transferir seu prejuízo para o aumento da produtividade ou dos preços. Então o fornecedor pode recuperar o que despendeu. Já o consumidor, traído em sua legítima expectativa na aquisição do produto ou serviço, não tem como suportar o prejuízo e a desilusão que a aquisição lhe trouxe.

Se o mundo e a sociedade estão em permanente expansão, cabe-nos ter uma mente aberta, direcionando as novidades para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

(artigo publicado no jornal Estado de Minas – Opinião – em 08/07/03)