Artigo publicado na Revista MENS LEGIS nº2 (março/abril de 2007), págs. 60/61 e no Site da OAB/MG (Jornal do Advogado On line)
Geraldo Magela S. Freire
Presidente da Comissão de Defesa do Consumidor
Neste mês de março, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor completa 16 anos de vigência. O Dia Mundial dos Direitos do Consumidor foi comemorado, pela primeira vez, em 15 de março de 1983. Essa data foi escolhida em razão do famoso discurso feito, em 15 de março de 1962, pelo então presidente dos EUA, John Kennedy.
A Resolução n. 39/248, de 9 de abril de 1985, da Assembléia Geral da ONU, ordenou que os países membros editassem leis de proteção ao consumidor. Assim, a Constituição Cidadã de 1988 inseriu expressa disposição neste sentido: “O Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor” (art. 5º, XXXII e art. 48 do ADCT), que resultou na Lei nº 8.078/90, de 11 de setembro de 1990, em vigor desde março de 1991.
Na sociedade de produção e consumo em massa, todos têm e precisam consumir, para gerar riquezas e empregos, entre outros objetivos. O consumidor não é nem precisa ser especialista em nada. Os produtos fabricados em grande escala saem normalmente com vícios, num percentual de aproximadamente 5%, em razão de defeitos nos produtos ou nos serviços.
O CODECON é de ordem pública e interesse social. Seu principal objetivo é fazer com que os custos sociais da produção em massa sejam suportados pelo fornecedor (de produtos e/ou serviços), porque somente ele tem como transferir estes custos para o aumento do preço ou para o aumento da produtividade. Ou seja, indeniza o consumidor vítima e se ressarci transferindo o prejuízo para o aumento da produtividade ou para o preço do produto. Esta opção não existe para o consumidor que é ferido em sua legítima expectativa ao adquirir um bem ou serviço. Isto significa que uma montadora que fabrica 10.000 carros por dia, 500 saem com defeitos.
Por isso, é presumida a hipossuficiência técnica do consumidor, já que somente o fornecedor (de serviços ou produtos) é que tem o projeto do produto, especificações, laboratório etc, sob pena de se inviabilizar qualquer pretensão do consumidor.
Por ser de ordem pública e interesse social, na hermenêutica do CODECON, o sentido não vem só de seus autores e das palavras que usaram. Os destinatários são também co-autores na medida que inserem a mensagem dentro dos contextos vitais em que se acham. Então, o sentido original ganha novas ressonâncias quando presentes certas circunstâncias. E o conteúdo das leis tem que ser trazido para a realidade concreta das pessoas a quem ele pretende beneficiar.
Destarte, com o CODECON superou-se a dicotomia clássica entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual, baseados na culpa. Então, a responsabilidade civil do fornecedor não nasce do contrato ou do fato ilícito, mas da existência de um outro vínculo: a relação jurídica de consumo, contratual ou não, que passaram a ser unificadas, protegendo também as vítimas, apoiando-se em vícios de qualidade por inadequação, vícios de qualidade por insegurança (acidente de consumo) e vícios de quantidade. E o fornecedor só se exime da responsabilidade se provar uma das excludentes previstas nos artigos 12 e 14 do CONDECON, id est, que não colocou o produto no mercado, que o defeito inexiste ou que a culpa é do consumidor ou de terceiros. Assim, o ônus da prova, ex-vi-legis, é do fornecedor, cabendo ao consumidor somente provar o dano e o nexo causal, quando pleiteia danos morais (sofrimentos emocionais, psicológicos, insegurança etc) e perdas e danos (dano emergente e o lucros cessantes), entre outros.
Todavia, para alcançar o binômio Justiça célere e acessível aos menos afortunados, ainda inatingido, por que não lhe antecipar a tutela jurisdicional, se o destinatário da proteção legal é o consumidor, deixando para a empresa a espera da solução definitiva da lide?
Então, a antecipação de tutela jurisdicional, prevista no art. 273 do C.P.C., antecipa o direito material, através de simples cognição sumária, sendo um dever, se o “petitum” e a “causa petendi” estiverem apoiados no Código de Defesa do Consumidor, que é de ordem publica e interesse social.
O Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, corifeu das novas reformas processuais, anota que elas vieram para combater “o anacronismo e a morosidade do procedimento ordinário”,cuja atual moldura é a de “uma prestação jurisdicional insatisfatória, porque ineficiente, morosa e ineficaz, sem a desejável efetividade. Daí a razão das reformas processuais.” (in Reforma do Código de Processo Civil, Saraiva, 96, ps. 869 ss.).
Por isso, a antecipação dos efeitos da sentença de mérito, que permanece inaplicada, representa a verdadeira redenção para o Poder Judiciário, cujos membros se sacrificam, trabalhando em condições desumanas, em cima de pilhas de processos.
O preclaro professor Humberto Theodoro Junior preleciona que o novo instituto se justifica pela lentidão da justiça, mesmo diante da possibilidade de sua alteração no julgamento do mérito, porque o princípio do contraditório não existe sozinho mas em função da garantia básica da tutela jurisdicional (in Curso de Direito Processual Civil, 21ª ed. Forense, 1997, Vol. I/369 e 372; Vol. II/609).
A antecipação dos efeitos da sentença, que é um fenômeno processual e não substancial, porque a relação material controvertida continuará indefinida até a sentença final, pode ser concedida em qualquer fase do processo e em qualquer grau de jurisdição, como ensina Nelson Nery Júnior, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor (in Código de Processo Civil Comentado, 2ª ed. RT, 1966, art. 273:23, p. 693)
Antônio Cláudio da Costa Machado salienta a magnitude do alcance social e político da figura da antecipação de tutela, anotando que o fumus boni iuris é o suficiente equivalente da prova inequívoca e relevante fundamento. (Ib., p. 632).
O Desembargador Carreira Alvim anota que: “Sempre que houver uma carga de probabilidade suficiente para convencer o julgador da verossimilhança da alegação, tem cabimento a antecipação da tutela, na mesma medida que não tem, se o juiz se convencer do contrário, …”( in Código de Processo Civil Reformado, 2a ed. Del Rey, 1995, p. 110).
Adverte Nelson Nery Junior que a evolução da sociedade impõe a necessidade de tutelas jurídicas diferenciadas, objetivando dar efetividade ao processo, como já ocorre com o Mandado de Segurança, a ação popular, o habeas data, o mandado de injunção, o habeas corpus e a ação civil pública etc (in Revista de Direito do Consumidor 3/49;ibidem, 60/61).
Sustenta TEREZA ARRUDA ALVIM que a doutrina dos timoneiros tem reconhecido que o processo civil tradicional mostrou-se incapaz de atender os reclamos da coletivação do consumo de bens e serviços, tendo o Código de Defesa do Consumidor trouxe “um novo processo civil” (in Revista DIREITO DO CONSUMIDOR n. 10/248, ed. RT 1992).
A Resolução do Conselho Seccional de Minas nº 001/2003, art. 45, estabelece a competência da Comissão de Defesa do Consumidor.
A OAB, desde sua fundação, tem sido o maior tribunal da cidadania na história do país, sempre procurando dar conteúdo ético e moral ao Estado Democrático de Direito. A Seccional de Minas da OAB tem procurado ser fiel a esses objetivos, promovendo convênios e movimentos sócio-jurídicos, representado a OAB perante outras instituições e procurando promover a Justiça, lutando por uma sociedade sem excluídos, pela expansão de direitos fundamentais e sociais, por maior transparência na vida pública, em todos os níveis, entre tantos outros, porque sua ideologia tem sido a defesa da cidadania.
E cidadania é cumprir com obrigações contratuais e sociais, pagar suas contas, incluindo-se os impostos, e exercitar amplamente seus direitos. E assim que se constrói um país sem exclusões, com partilha de tudo para todos e com todos.