MISSÃO DO JUDICIÁRIO

Artigo publicado em 11/10/1999

Jornal Estado de Minas

Seção Opinião, p. 6

Autor: Dr. Geraldo Magela S. Freire – OAB/MG 15.748

MISSÃO DO JUDICIÁRIO

Geraldo Magela S. Freire

Advogado

Choca-me ver um trabalhador, que fez uma economia sofrida neste nosso País de preços livres e salários achatados como nunca se viu, onde o preço pago pela sobrevivência é altíssimo e só por milagre se concretiza o sonho de adquirir um veículo novo. Recebe um carro projetado a mais de vinte anos, com calor interno excessivo, suspensão batendo e rachando o monobloco, é embrulhado pelas concessionárias, que são reféns das multinacionais ávidas por lucros, embora tenha pago em moeda sã. Mais grave, a justiça leva quatro ou cinco anos para entregar a prestação jurisdicional ao consumidor.

Se o consumidor faz prova de que comprou um veículo novo e que freqüentou por mais de dez vezes uma concessionária tentando corrigir defeitos, está provado o dano e o nexo causal, não precisando esperar anos a fio pela realização de uma perícia e por uma sentença porque existe um instituto novo chamado “antecipação de tutela jurisdicional”, que não está sendo aplicado como deveria e que pode redimir o Judiciário desse espelho de morosidade e ineficácia, que foi a objetividade perseguida pelas reformas processuais.

Choca-me ver as calçadas cheias de menores carentes sem saber o que vão comer e onde vão dormir, sem que seja fornecido ao judiciário condições materiais para que seja cumprido o Estatuto da Criança e do Adolescente, porque, como disse o sábio Alceu Amoroso Lima (Tristão de Athayde), “diante de tanta miséria a alegria chega a ser uma profanação”.

Choca-me constar ainda que existe tortura no Brasil, pelo simples fato de um cidadão pensar diferente do outro e desejar justiça social. Choca-me, ainda, ver sair um FC I e entrar o FC II e o patrimônio do País continuar a ser entregue às multinacionais que priorizam o capital em detrimento do trabalho, desempregando milhares de trabalhadores, ditando preços abusivos e ainda recebendo incentivos fiscais, em detrimento das empresas nacionais.

Choca-me ver o Poder Judiciário tripudiado perante a opinião pública, quando por uma longa militância forense, sei que o Poder Judiciário, apesar do  conservadorismo e da morosidade, é o melhor dos três poderes, constituído de profissionais escolhidos em rígidos concursos públicos, dignos e que se sacrificam com uma carga monstruosa de trabalho, que merecem ser tratados com respeito, dignidade e independência financeira, para que o cidadão possa ter a garantia do exercício da cidadania, cumprindo com suas obrigações e exercitando seus direitos contra os poderosos do  poder e do dinheiro. Ele tem muitos defeitos, por isso a sociedade tem que trabalhar para corrigí-los, e lutar para a realização de uma Justiça ágil e acessível aos menos afortunados, o que não acontece no momento e com controle externo de sua atividade administrativa, para que uma minoria não continue a comprometer seu perfil perante a sociedade. Jamais destruindo-o, porque assim triunfa o neoliberalismo, que já nasceu velho e de barbas brancas (como disse em outro contexto o saudoso professor Wilson Melo), que prioriza o capital em detrimento do trabalho, já condenado pelo Leão XIII nos idos de maio de 1891, com a encíclica Rerum Novarum, baixada especificamente para dizer que a prioridade é o trabalho e não o capital.

 

Chamado o “Papa dos operários”, Leão XIII foi o primeiro a reconhecer o direito de os trabalhadores se filiarem a sindicatos, caracterizando seu pontificado no social, era também inimigo da escravidão, um produto do capitalismo liberal, agora rotulado de neoliberalismo. O Judiciário é a última trincheira para a defesa do cidadão contra o neoliberalismo e outros males, como a corrupção, o autoritarismo, o arbítrio, o nepotismo, o tráfico de influências, etc. Só com um judiciário forte o cidadão pode ter o coração cheio de esperança, porque como ensinou o jesuíta  Teilhard de Chardin, o homem “foi feito para ser imagem e semelhança de Deus.”

(Jornal Estado de Minas em 11 de outubro de 1999, Seção Opinião, p. 6)