A Justiça determinou que a boate Banana República de Campinas (SP) pague uma indenização por danos morais a uma transexual que foi obrigada a comprar ingresso masculino para entrar no estabelecimento.
A sentença do juiz Fabricio Reali Zia, da 2ª Vara Cível, foi publicada na semana passada, um ano após Branca Bacci Brunelli ter entrado com a ação. No entanto, a decisão ainda cabe recurso.
“O que me motivou a processar a boate não foi o dinheiro, foi porque eu não quero que isso aconteça com mais nenhuma pessoa trans […] isso mostrou o quanto nós ainda somos desrespeitadas e o quanto a nossa identidade de gênero feminino é desrespeitada porque muita gente ainda nós vê como homens. Eu fui vista como um homem folgado, que tava querendo só me dar bem e ainda tive a audácia de querer processar”, disse a jovem.
Constrangimento
Em novembro de 2015, a jovem transexual entrou com um processo civil contra a casa noturna Banana República após se sentir constrangida na entrada da boate.
Mesmo com a apresentação de um laudo psicológico que aponta sua identidade feminina, Branca conta que foi obrigada a comprar o ingresso masculino para entrar.
No processo, ela exigia uma indenização de R$ 15.575 por danos morais à dignidade humana, no entanto, o valor concedido pelo juiz foi R$ 2,5 mil.
“Porém, não existem dúvidas acerca do sofrimento íntimo causado pela ré por meio de sua abordagem desarrazoada, sobretudo por se tratar de estabelecimento noturno, de diversão […] não se pode desconsiderar, ademais, que os transexuais já figuram entre as minorias mais estigmatizadas da sociedade brasileira, suportando, diariamente, o preço de não assimilarem os padrões culturais dominantes”, diz o juiz na sentença.
Reparação
O advogado de Branca, Filippe Martin Del Campo Furlan, disse que apesar da decisão do juiz ser favorável, o valor da indenização não serve para reparar uma situação de constrangimento.
“O juiz reconheceu que ela passou por uma situação discriminatória. […] a questão que o valor de R$ 2,5 mil é baixo, valor que não serve nem para reparação e nem como forma de desestimular que quem causou volte a causar. Então, por mais que a sentença tenha sido muito boa no sentido de reconhecer a identidade de gênero, que é essa discussão nova. Então, a gente pretende recorrer”, afirma.
Branca disse também que considera a decisão do juiz uma vitória e que vê como um primeiro passo para que as identidades femininas sejam respeitadas.
“Eu me sinto na obrigação de fazer alguma coisa pelas minhas iguais. Quero reverter essa situação […] Eu acredito que a minha vitória seja um passo para que nós sejamos respeitadas. A minha família me reconhece como mulher, a universidade, que é católica, me reconhece como mulher, aceitaram minha mudança de nome. E estou com um processo legal para mudar nome e gênero e daí vem uma boate cobrar ingresso masculino para desreipeitar tudo isso”, conclui.
A boate Banana República foi procurada pela reportagem, mas até a publicação da reportagem, ninguém foi encontrado para comentar o caso.
Ingresso masculino
Branca disse ao G1 que na entrada do estabelecimento teve que apresentar o RG, documento ainda com o nome masculino de registro. O processo para a troca definitiva do nome e sexo no documento, e inclusive na certidão de nascimento, está em andamento.
Branca disse também que já tinha frequentado a casa noturna outras vezes e que ainda não havia passado por esse tipo de situação.
Na época, a direção da boate informou que, independentemente do processo, iria adotar mudanças na cobrança dos ingressos para que transexuais paguem segundo o gênero.
Problema ao registrar ocorrência
Após o ocorrido na casa noturna, na época, o estudante também teve problema para registrar boletim de ocorrência na Delegacia da Mulher de Campinas. O caso precisou ser encaminhado para outro distrito policial por conta do “sexo masculino” oficial.
O “gênero feminino” da jovem só foi inserido no boletim porque ela insistiu para as funcionárias, conforme a foto do registro.
Mudanças no registro de B. O.
Em novembro de 2015, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) anunciou uma mudança no registro dos boletins de ocorrência nas delegacias do estado. A alteração prevê, além do campo específico para o nome social, espaços pré-definidos para preencher o gênero e a motivação do crime por orientação sexual.
Direitos
A lei estadual 10948 de 2001 protege os cidadãos homossexuais, bissexuais ou transgêneros de discriminações sofridas em razão da orientação sexual, mas a discriminação contra eles ainda não é considerada crime. O ato discriminatório é apurado a partir de um processo administrativo.
Atos como frequentar o banheiro de acordo com o gênero ou outros ambientes segmentados são garantidos pela constituição federal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a transexualidade como um transtorno de identidade de gênero, que acontece quando a pessoa se enxerga no sexo oposto ao qual nasce. Não necessariamente a pessoa precisa operar para se encaixar como tal.
Fonte: jusbrasil.com.br