Publicado no Jornal Estado de Minas, em 10/07/2010, Primeiro Caderno, Seção Opinião
Em tempos em que a sociedade clama por justiça a qualquer preço e por segregações sumárias ao cárcere, sem que o acusado tenha direito a qualquer forma de defesa, tempos esses em que os discursos de “lei e ordem” ganham mais adeptos, se faz de extrema importância esclarecer um pouco mais sobre as liberdades individuais.
Vivemos em um Estado Democrático de Direito no qual a regra é a liberdade. A legalidade estrita é a base do sistema jurídico penal, cujos princípios basilares são o postulado constitucional da liberdade e a garantia fundamental da presunção de inocência. A prisão preventiva, espécie de prisão cautelar mais vista nos dias de hoje, reveste-se de caráter excepcional, ou seja, não é a regra, devendo ser decretada apenas em casos de extrema necessidade. Para se decretar a prisão preventiva do suspeito, além dos pressupostos previstos no Código de Processo Penal, tais como a prova material do crime e indício suficiente de autoria, é também necessária a presença de razões idôneas aptas a justificar a imprescindibilidade dessa extraordinária medida.Razões estas conhecidas pelo brocardo latino periculum libertartis, ou seja, o perigo concreto, com fundamento em base empírica idônea, que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investigação, para o processo penal, para a efetividade do direito e para a segurança social.
O Poder Constituinte Originário de 1988 instituiu, através da vigente Constituição, que a República Federativa do Brasil é um Estado Democrático de Direito, na qual prevalece, como garantia da liberdade o principio da presunção de inocência, também conhecido como princípio da não culpabilidade. Isso quer dizer que a prisão preventiva não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada, devendo ser aplicada apenas quando existir seus pressupostos autorizadores, a saber: fumus comissi delicti (prova material do crime e indício suficiente de autoria) e periculum libertatis (perigo que a liberdade do suspeito representa para determinados institutos jurídicos). Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhum outro pressuposto autorizador da prisão preventiva e, dessa forma, ausente um dos pressupostos acima citados ou presente um pressuposto estranho a eles, a prisão é ilegal e deve ser imediatamente relaxada.
Algo comum, que acontece todos os dias, e para isso basta assistir a qualquer noticiário, é a decretação de prisão preventiva para satisfazer o “clamor público”, ou seja, para atender as súplicas da sociedade que se sente saciada apenas com a segregação sumária do suspeito ao cárcere. Porém, o “clamor público” não é e nunca foi causa autorizada de decretação de prisão preventiva. A ausência de fundamento legal, apenas para prestar satisfação à sociedade, que está sedenta por justiça, a qualquer custo, aniquila o postulado fundamental da liberdade e ignora a garantia constitucional da presunção de inocência.
Sem uma situação real, com fundamento em base empírica idônea, não se legitima a decretação de prisão cautelar de um suspeito. Ausentes as razões de necessidade, ilegal é a decretação desta medida excepcional. A garantia constitucional fundamental da liberdade não pode ser ofendida apenas para atender os reclamos da sociedade. Direitos e garantias fundamentais não podem ser aniquilados em detrimento da credibilidade das Instituições Jurídicas.
Vivemos em um Estado em que ninguém pode ser considerado culpado, por mais grave que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido atribuída, sem que exista um processo penal em que lhe seja dada oportunidade de produzir provas e de provar sua inocência. Vivemos em um Estado em que a restrição de liberdade antes do transito em julgado da decisão judicial condenatória, só se justifica em casos excepcionais. E a liberdade é princípio deste mesmo Estado Democrático de Direito, podendo ser reivindicada a qualquer momento por meio do mais importante remédio processual legal, chamado Habeas Corpus.
Gustavo Americano Freire, advogado, especialista em Ciências Penais pela Escola Superior do Ministério Público, Coordenador da Área Penal da Silva Freire Advogados.