1. Introdução – Definição do tema 808 do STF e a interpretação dada no Parecer SEI nº10.167/2021
O Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 15.03.2021, quando do julgamento do RE 855.091/RS, em regime de repercussão geral, firmou a tese do Tema nº 808, nos seguintes termos:
“Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.”
Considerando a definição do tema, o Ministério da Economia emitiu o Parecer SEI nº10.167/2021, no qual se manifestou sobre a inclusão da matéria na lista de dispensa de se contestar e recorrer, para fins de aplicação do disposto nos §§ 4º, 5º e 7º do art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002.
Ressaltou, no entanto, que o IRPF deveria incidir sobre os juros de mora decorrentes do recebimento em atraso de benefício previdenciário. Por conseguinte, esse é o entendimento que vem sendo utilizado pela Receita Federal, quando da lavratura dos autos de infração.
Ocorre que pela fundamentação trazida no RE 855.091/RS (Tema nº 808), assim como no atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função, não dever incidir juros de mora sobre o recebimento em atraso de benefício previdenciário.
2.Das questões de mérito do RE 855.091/RS (Tema 808/STF)
O acórdão do RE 855.091/RS restou assim ementado:
“EMENTA Recurso extraordinário. Repercussão Geral. Direito Tributário. Imposto de renda. Juros moratórios devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função. Caráter indenizatório. Danos emergentes. Não incidência. 1. A materialidade do imposto de renda está relacionada com a existência de acréscimo patrimonial. Precedentes. 2. A palavra indenização abrange os valores relativos a danos emergentes e os concernentes a lucros cessantes. Os primeiros, correspondendo ao que efetivamente se perdeu, não incrementam o patrimônio de quem os recebe e, assim, não se amoldam ao conteúdo mínimo da materialidade do imposto de renda prevista no art. 153, III, da Constituição Federal. Os segundos, desde que caracterizado o acréscimo patrimonial, podem, em tese, ser tributados pelo imposto de renda. 3. Os juros de mora devidos em razão do atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes). Esse atraso faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos, que atraem juros, multas e outros passivos ou outras despesas ou mesmo preços mais elevados, para atender a suas necessidades básicas e às de sua família. 4. Fixa-se a seguinte tese para o Tema nº 808 da Repercussão Geral: “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função”. 5. Recurso extraordinário não provido”.
(RE 855091, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15-03-2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-064 DIVULG 07-04-2021 PUBLIC 08-04-2021) ]
A Procuradoria, quando do Parecer SEI nº10.167/2021, assim resumiu o raciocínio do STF para fundamentar a não incidência do tributo sobre os juros moratórios, nos seguintes termos:
a) “o art. 153, III, da Constituição Federal define a competência da União para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza;
b) o art. 43 do CTN estabelece o fato gerador do referido imposto e o inciso II do dispositivo prevê a incidência sobre proventos de qualquer natureza. Já o § 1º esclarece que a incidência do tributo independe da denominação dada à receita ou ao rendimento;
c) o parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/1964 classifica os juros de mora e quaisquer outras indenizações como rendimentos do trabalho para fins de incidência do IR;
d) já o § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/1993 define como rendimento bruto para fins de incidência do tributo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados;
e) a “expressão juros moratórios, que é própria do Direito Civil, designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro. Para o legislador, o não recebimento nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais tem direito o credor implica prejuízo para ele”;
f) o prejuízo adviria do ato ilícito de não pagar a verba na data correspondente a qual tem direito o credor;
g) portanto, os juros de mora são uma recomposição de perdas decorrentes do prejuízo do recebimento de verbas em atraso, que não implicam no aumento do patrimônio do credor, portanto, excluídos da incidência do Imposto de Renda”.
Como se vê, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que os juros de mora relativos a rendimentos do trabalho recebidos em atraso, por repararem a demora no recebimento de verbas de natureza alimentar, possuem natureza de danos emergentes, e não de lucros cessantes. Por este motivo, o seu recebimento não configura acréscimo patrimonial, na forma prevista no art. 43 do CTN, não se sujeitando, portanto, à incidência do imposto de renda.
3. Da aplicação do Tema 808/STF no recebimento de aposentadoria em atraso
Apesar de não ter sido mencionado expressamente na tese fixada, a leitura atenta do RE 855.091/RS permite a conclusão de que os juros de mora incidentes sobre o pagamento em atraso da aposentadoria também não aumentam o patrimônio do credor, apenas recompõem as perdas decorrentes do prejuízo do recebimento de verbas em atraso.
Dessa forma, concluído que não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função, resta evidente que também não deve incidir sobre os juros decorrentes do atraso do pagamento relacionado à aposentadoria, vez que em ambos os casos, os juros têm natureza de lucros cessantes, ou seja, apenas recompõem as perdas, não significando acréscimo patrimonial, essencial para a tributação do imposto.
No próprio Parecer SEI Nº 10167/2021/ME, há uma evidente contradição, vez que ao mesmo tempo em que se define a incidência do imposto de renda quando do recebimento em atraso de benefício previdenciário, se constata a indiferença com relação à natureza da verba recebida, conforme verificável no trecho abaixo:
A exclusão abrangente do tributo sobre os juros devidos em quaisquer pagamentos em atraso, faz, portanto, com que seja indiferente a natureza da verba que está sendo paga. Uma vez que seja reconhecida como devida a verba pleiteada, seja em reclamatória trabalhista ou não, exclui-se a incidência do imposto sobre os juros de mora devidos pelo atraso no seu pagamento. Diferentemente da jurisprudência anteriormente consolidada, pouco importa a natureza da verba principal ou se o reconhecimento de seu pagamento se dá no contexto de decisões proferidas em reclamatórias trabalhistas.
Vale destacar o entendimento da jurisprudência sobre o assunto:
“Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença relativa a vencimentos. Juros moratórios. Incidência de contribuição previdenciária. Impossibilidade. Aplicação do Tema nº 808 de repercussão geral por identidade de razões. Juros que não integram a base de contribuição e nem apreciam os proventos de aposentadoria ou pensão. Decisão mantida. Recurso improvido”.
(TJ-SP – AI: 20386124120218260000 SP 2038612-41.2021.8.26.0000, Relator: Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, Data de Julgamento: 31/03/2021, 4ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 31/03/2021)
“TRIBUTÁRIO. IRPF. VALORES RECEBIDOS ACUMULADAMENTE. RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. APLICAÇÃO DO ART. 12-A DA LEI 12.350/2010. DEDUÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DA DEMANDA TRABALHISTA. JUROS DE MORA. TEMA 808 DO STF. 1. Tratando-se de rendimentos recebidos acumuladamente em reclamatória trabalhista após 2010, aplica-se a sistemática do artigo 12-A, § 1º, da Lei 7.713/88, com a redação dada pela Lei 12.350/2010. 2. Devem ser deduzidos da base de cálculo do imposto de renda as despesas efetuadas a título de honorários advocatícios contratuais pagos na reclamatória trabalhista, na forma do art. 12-A, § 2º, da Lei 7.713/1988. 3. Reconheceu o Supremo Tribunal Federal (Tema 808) que os juros de mora relativos a rendimentos do trabalho recebidos em atraso, por repararem a demora no recebimento de verbas de natureza alimentar, possuem natureza de danos emergentes. Assim, o seu recebimento não configura acréscimo patrimonial e, por conseguinte, não se justifica a tributação pelo imposto de renda”.
(TRF-4 – AC: 50109520720154047201 SC, Relator: ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, Data de Julgamento: 26/04/2023, PRIMEIRA TURMA)
Até mesmo o CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) vem se manifestando sobre a não incidência do IRPF sobre os juros de mora recebidos em reclamações trabalhistas, que versem sobre assuntos previdenciários, conforme a seguir:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA (IRPF)
Exercício: 2006
INDENIZAÇÕES POR ANISTIA POLÍTICA. AÇÃO JUDICIAL. RENDIMENTOS. ISENÇÃO IRPF.
Os valores relativos a aposentadorias, pensões ou proventos de qualquer natureza pagos aos anistiados políticos, civis ou militares, antes da publicação da Lei n° 10.559, de 2002, são isentos do Imposto de Renda a partir de 29 de agosto de 2002, e independem da comprovação do requerimento de substituição para um dos regimes instituídos por esse ato legal.
IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RENDIMENTOS RECEBIDOS ACUMULADAMENTE. REGIME DE COMPETÊNCIA.
O STF fixou o entendimento de que nos casos de rendimentos recebidos acumuladamente deve ser considerada, para efeito de fixação de alíquotas, presentes, individualmente, os exercícios envolvidos, ou seja, o regime de competência – Recurso Extraordinário com Repercussão Geral nº 614.406.
IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA. RE 855.091 COM REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 808 DO STF.
O Supremo Tribunal Federal decidiu, no julgamento do Tema 808, que não há incidência de IR sobre juros de mora no pagamento de verba alimentar a pessoa física”. (Recurso Voluntário 2402-010.980. Processo nº 10768.003071/2009-92. 2ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 2ª Turma Ordinária. Sessão de 7 de dezembro de 2022).
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA (IRPF)
Exercício: 2008
[…]IRPF. RENDIMENTOS RECEBIDOS ACUMULADAMENTE (RRA). DIFERENÇAS DE APOSENTADORIA. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR PRIVADA. TRIBUTAÇÃO.
Relativamente ao ano-calendário de 2014, os rendimentos recebidos acumuladamente pagos por entidade de previdência complementar, decorrentes de complementação do valor de aposentadoria, quando correspondentes a anos-calendário anteriores ao do recebimento, não estão enquadrados na sistemática de tributação exclusiva na fonte, em separado dos demais rendimentos recebidos no mês, prevista no art. 12-A da Lei nº 7.713, de 1988. A incidência da tributação exclusivamente na fonte com respeito a essa natureza de rendimentos recebidos acumuladamente deu-se apenas a partir de 11 de março de 2015, com a publicação da Medida Provisória nº 670, de 2015. […]”. (Recurso Voluntário. Processo nº 10580.724051/2016-76. Acórdão nº 2401-010.855 – 2ª Seção de Julgamento / 4ª Câmara / 1ª Turma Ordinária. Sessão de 03 de fevereiro de 2023).
Verifica-se, portanto, que o posicionamento da Receita Federal destoa do adotado pelo judiciário e pelo próprio CARF, que é o órgão governamental que julga recursos interpostos por contribuintes contra decisões da Receita Federal.
4. Conclusão
Pelo exposto, ao contrário do atual entendimento adotado pela fiscalização, os juros de mora recebidos em razão de atraso no pagamento de verbas alimentares à pessoa física, sejam rendimentos do trabalho ou proventos de natureza previdenciária, possuem natureza de danos emergentes e, por este motivo, não estão sujeitos à incidência do imposto de renda.
Dessa forma, os contribuintes que receberam proventos de aposentadoria em atraso devem preencher as declarações de imposto de renda com cuidado. Caso a Receita Federal faça a cobrança do IRPF sobre os juros de mora recebidos, é possível realizar defesa administrativa e/ou levar a demanda ao judiciário, inclusive para pleitear a devolução do valor eventualmente pago a mais.
Referências bibliográficas: RE 855091, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 15-03-2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-064 DIVULG 07-04-2021 PUBLIC 08-04-2021