Redução da Carga Tributária para Clínicas Médicas

Quando o assunto é a redução da base de cálculos do IRPJ e CSLL para os serviços classificados como hospitalares, muitas dúvidas surgem, deixando os contribuintes confusos e inseguros.

O presente artigo tem como objetivo jogar luz sobre o tema, para que os contribuintes possam ter ciência e usufruir, de fato, dos seus direitos. Aqui, o foco será nas clínicas médicas, que prestam serviços hospitalares, mas a possibilidade de redução se estende também aos prestadores de serviços que realizam as atividades listadas na alínea a, do inciso III, do §1º, do artigo 15, da Lei 9.249[1]. Em todos os casos, deverão ser respeitados os requisitos listados abaixo.

Inicialmente, cabe esclarecer que o lucro presumido é um regime tributário em que a apuração do IRPJ e da CSLL é feita com base na presunção de que determinado percentual do faturamento corresponde ao lucro da empresa.

Geralmente, o percentual de presunção sobre a receita é de 32%. No entanto, a realização de atividades hospitalares ou as demais atividades listadas no art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei nº 9.249/1995, faz surgir a possibilidade da redução desse percentual para 8% (IRPJ) e 12% (CSLL).

Para que seja possível a redução da base de cálculo exige-se da prestadora de serviços:

  1. Tributação por lucro presumido;
  2. Organização sob a forma de sociedade empresária;
  3. Realização de serviços classificados como hospitalares ou as demais atividades listadas na alínea no art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei nº 9.249/1995;
  4. Possuir licença de funcionamento fornecida pela ANVISA – comprovando a regularidade sanitária de sua atividade.

1) Tributação por lucro presumido

A legislação estabelece possibilidade de redução tributária apenas pelos optantes do lucro presumido. Assim, para fazer jus a esta prerrogativa, o contribuinte deve, necessariamente, ser tributado nessa modalidade.

2) Organização sob a forma de sociedade empresária

A sociedade empresária é a que exerce atividade econômica organizada e habitual, para a produção ou a circulação de bens ou serviços (art. 966 do Código Civil) e está sujeita à obrigatória inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) da respectiva sede (art. 967 do Código Civil). A sociedade simples, por sua vez, é a que exerce atividade econômica de natureza intelectual, científica, literária ou artística (salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa (art. 966 do Código Civil) e vincula-se ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas (art. 1.150 do Código Civil).

Desta forma, somente as sociedades organizadas sob a forma empresarial podem usufruir da base de cálculo minorada do IRPJ e da CSLL prevista nos arts. 15, § 1º, III, “a”, e 20, da Lei nº 9.249/1995, na redação dada pela Lei nº 11.727/2008.

Não basta, no entanto, que a sociedade seja empresarial apenas formalmente. É preciso que existam evidências, por exemplo, da existência de investimentos em equipamentos e insumos condizentes com uma organização empresarial e de que há funcionários contratados para o exercício do objeto social. Caso contrário, os serviços seriam prestados exclusivamente pelos próprios sócios, configurando uma sociedade simples.

Vale ressaltar que o próprio CARF já se manifestou quanto à possibilidade de uma empresa registrada como simples, mas cuja atividade de fato era empresária, gozar da redução dos tributos.

Porém, a pessoa jurídica precisa, necessariamente, atuar como empresária.

3) Realização de serviços classificados como hospitalares ou as demais atividades listadas no art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei nº 9.249/1995

Quanto aos serviços hospitalares, a Receita Federal, por meio da IN 1.234, assim os definiu:

Art. 30.Para os fins previstos nesta Instrução Normativa, são considerados serviços hospitalares aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nas atribuições 1 a 4 da Resolução RDC nº 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa (Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1540, de 05 de janeiro de 2015)

Parágrafo único. São também considerados serviços hospitalares, para fins desta Instrução Normativa, aqueles efetuados pelas pessoas jurídicas:

I – prestadoras de serviços pré-hospitalares, na área de urgência, realizados por meio de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) móvel instalada em ambulâncias de suporte avançado (Tipo “D”) ou em aeronave de suporte médico (Tipo “E”); e
II – prestadoras de serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instalada em ambulâncias classificadas nos Tipos “A”, “B”, “C” e “F”, que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.

Em relação à mencionada RDC 50 da Anvisa, podemos listar, em síntese:

  • prestação de atendimento eletivo de promoção e assistência à saúde em regime ambulatorial e de hospital dia;
  • prestação de atendimento imediato de assistência à saúde;
  • prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação; atividades ­nas da prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia.

Sobre a classificação dos serviços hospitalares, o STJ já se manifestou, em Recurso Repetitivo (tema 217), tendo fixado a seguinte tese:

“Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, de sorte que, ‘em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos'”.

A definição dada pelo STJ é, sem sombra de dúvidas, demasiadamente ampla e exclui apenas os serviços relacionados às simples consultas médicas, sendo indiferente o fato de serem prestados dentro do estabelecimento hospitalar.

Quanto às demais atividades, presentes no art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei nº 9.249/1995, vale a pena mencioná-las:

  • auxílio diagnóstico e terapia,
  • patologia clínica,
  • imagenologia,
  • anatomia patológica e citopatologia,
  • medicina nuclear e análises e
  • patologias clínicas.

Portanto, se você, contribuinte, presta algum desses serviços acima e preenche os demais requisitos, supracitados, saiba que tem direito à redução da base de cálculo do IRPJ e CSLL.

Voltando à questão dos serviços hospitalares, nos casos, por exemplo, de clínicas que prestam serviços variados, como consultas; drenagens; procedimentos estéticos e cirurgias, é importante fazer alguns alertas.

A redução de alíquota prevista na Lei 9.249/1995 não se refere a toda a receita bruta da empresa contribuinte genericamente considerada, mas sim àquela parcela da receita proveniente unicamente da atividade específica sujeita ao benefício fiscal desenvolvida pelo contribuinte, nos exatos termos do art. 15, § 2º, da Lei 9.249/1995.

De pronto, é possível afirmar, considerando o entendimento do STJ, que as consultas não são consideradas serviços hospitalares, sujeitas à redução de tributação.

As drenagens e procedimentos estéticos simples também não são considerados, via de regra, como serviços hospitalares, vez que além de não se prestarem necessariamente à promoção da saúde, prescindem, muitas vezes, da participação médica.

APELAÇÃO EM AÇÃO ORDINÁRIA. TRIBUTÁRIO. IRPJ/CSLL. SERVIÇOS HOSPITALARES E ALÍQUOTAS REDUZIDAS. LEI 9.249/95. CLÍNICA DERMATOLÓGICA E TRATAMENTOS ESTÉTICOS. AUSENTE COMPROVAÇÃO DA OFERTA DE SERVIÇOS EM CARÁTER HOSPITALAR. RECURSO DESPROVIDO, COM MAJORAÇÃO DA HONORÁRIA DEVIDA. […]

5.A propaganda trazida pela própria autora identifica como tratamentos ofertados: bioestimuladores, crescimento de barba, dermatologia clínica e cirúrgica, drenagem linfática, laser fracionado, limpeza de pele, luz pulsada, microagulhamento robótico, Peeling, pele masculina, preenchimento, queda de cabelo, rejuvenescimento, toxina botulínica, tratamento para olheiras (273487213). As notas fiscais acostadas denotam a prestação de “procedimento médico”, sem especificar qual foi o serviço prestado (273487212). 6.O teor estético dos procedimentos elencados pela autora, fugindo ao conceito de atividade voltada diretamente à promoção da saúde e comumente realizada em ambiente hospitalar (ainda que não seja necessário que o contribuinte mantenha tal estrutura), somada a ausência de prova quanto à efetiva promoção de atividade hospitalar, inexistindo nota fiscal nesse sentido, não permite reconhecer à autora o direito ao benefício fiscal. 7.A mera possibilidade da prestação de serviço hospitalar a partir dos CNAE’s elencados em registro fiscal não é elemento suficiente a permitir o gozo da alíquota reduzida, cabendo ao contribuinte comprovar que efetivamente presta tais serviços em sua atividade empresarial; até porque somente a renda proveniente destes serviços sofrerá a carga tributária minorada, ficando os demais serviços, como as consultas médicas (também elencada como atividade) e os procedimentos puramente estéticos, sujeitos à alíquota regular.

(TRF-3 – ApCiv: 50244352920214036100 SP, Relator: LUIS ANTONIO JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 14/07/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: DJEN DATA: 19/07/2023)

Ressalta-se, no entanto, que a análise de cada atividade deve ser feita de forma objetiva. Caso algum desses procedimentos tenham um custo diferenciado e demandem um procedimento mais técnico/especializado, é possível levarmos ao crivo do judiciário, para definição do cabimento ou não da tributação diferenciada, caso reste demonstrado, ainda, que se prestam à promoção da saúde.

Com relação às cirurgias, estas são indiscutivelmente serviços hospitalares. Ainda que para fins estéticos, no caso das cirurgias plásticas, o judiciário vem se manifestando no sentido de reduzir a tributação.

TRIBUTÁRIO. SERVIÇOS HOSPITALARES. IRPJ E CSLL. ALÍQUOTAS REDUZIDAS. NATUREZA DO SERVIÇO PRESTADO. PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS DE PELE. 1. O Superior Tribunal de Justiça fixou tese no sentido de que para obtenção de redução nas alíquotas de tributos, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva, isto é, deve ser realizada análise da atividade do contribuinte. 2. A Lei 9.249/1995, ao estabelecer alíquota de 8% (IRPJ) e 12% (CSLL) para os serviços hospitalares e outros, se aplica em favor dos atendimentos realizados por sociedade empresária que mantém estrutura própria para realização de procedimentos cirúrgicos relacionados à pele e transplante capilar.

(TRF-4 – AC: 50041723220214047107, Relator: LEANDRO PAULSEN, Data de Julgamento: 21/09/2022, PRIMEIRA TURMA)

MANDADO DE SEGURANÇA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. POSSIBILIDADE DE JULGAMENTO PELO TRIBUNAL. Se a matéria discutida não depende de dilação probatória, seja porque é eminentemente de direito, seja porque pode ser solucionada com base na prova pré-constituída apresentada, mostra-se adequada a ação mandamental. A teor do disposto no art. 515, § 1º, do CPC, é possível que o tribunal analise de imediato o processo quando ele estiver em condições de julgamento. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURIDICA (IRPJ). CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LIQUIDO (CSLL). ALÍQUOTAS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES. CLÍNICA DE CIRURGIA PLÁSTICA. 1. Está sujeita à alíquota de 8% de IRPJ e 12% de CSLL, e não à de 32%, a sociedade empresária cujos serviços se vinculam às atividades desenvolvidas normalmente nos hospitais e comprova o atendimento aos requisitos da Lei nº 11.727, de 2008. 2. A prestação de serviços de cirurgia plástica se insere no conceito de “serviços hospitalares”, uma vez que demanda instalações e equipamentos para a realização de procedimentos e não simples consulta médica.

(TRF-4 – AC: 50671369220154047100 RS 5067136-92.2015.404.7100, Relator: RÔMULO PIZZOLATTI, Data de Julgamento: 22/11/2016, SEGUNDA TURMA)

Para evitar litígios desnecessários, recomenda-se que seja registrado em cada nota, de forma explícita, o serviço prestado, separando, assim, os serviços de natureza hospitalar e os de natureza não hospitalar

4) Possuir licença de funcionamento fornecida pela ANVISA comprovando a regularidade sanitária de sua atividade.

No que se refere à comprovação do atendimento às normas da ANVISA, a lei não define exatamente quais seriam as normas que o contribuinte deve obedecer. Assim, deve o julgador interpretar essa exigência levando em conta a finalidade da norma que consiste em garantir tributação privilegiada aos estabelecimentos que, em razão da natureza dos serviços prestados voltados à promoção da saúde, incorrem em maiores custos na sua atividade.

Considera-se suficiente ao quesito “atendimento às normas da ANVISA”, que o contribuinte possua licença de funcionamento fornecida pela vigilância sanitária, comprovando a regularidade sanitária de sua atividade.

Conclusão

A redução da base de cálculo do IRPJ e CSLL, desde que em respeito aos requisitos legais, pode ser feita diretamente de forma administrativa ou após decisão judicial.

A redução imediata, de forma administrativa, é recomendada apenas para os casos em que não há controvérsias sobre o direito do contribuinte. Caso a atividade exercida, pelo prestador de serviços, guarde discussão, sobre ser considerada hospitalar, por exemplo, o ideal é que a demanda seja levada ao crivo do judiciário.